Toda unanimidade é burra, dizia o filósofo nacional Nelson Rodrigues.
Toda unanimidade é suspeita, recomenda a lucidez política. A unanimidade
da Câmara dos Deputados do Paraguai, em promover o processo de
impeachment contra o presidente Lugo, seria fenômeno político
surpreendente, mas não preocupador se não estivesse relacionado com os
últimos fatos no continente.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner enfrenta uma greve de caminhoneiros, em tudo por tudo semelhante à que, em 1973, iniciou o processo que levaria o presidente Salvador Allende à morte e ao regime nauseabundo de Augusto Pinochet. Hoje, todos nós sabemos de onde partiu o movimento. Não partiu das estradas chilenas, mas das maquinações do Pentágono e da CIA. Uma greve de caminhoneiros paralisa o país, leva à escassez de alimentos e de combustíveis, enfim, ao caos e à anarquia. A História demonstra que as grandes tragédias políticas e militares nascem da ação de provocadores.
O Paraguai, nesse momento, faz o papel do jabuti da fábula maranhense de
Vitorino Freire. Ele é um bicho sem garras e sem mobilidade das patas
que o faça um animal arbóreo. Não dispõe de unhas poderosas, como a
preguiça, nem de habilidades acrobáticas, como os macacos. Quando
encontrarmos um quelônio na forquilha é porque alguém o colocou ali. No
caso, foram o latifúndio paraguaio – não importa quem disparou as armas –
e os interesses norte-americanos. Com o golpe, os ianques pretendem
puxar o Paraguai para a costa do Pacífico, incluí-lo no arco que se
fecha, de Washington a Santiago, sobre o Brasil. Repete-se, no
Paraguai, o que já conhecemos, com a aliança dos interesses externos com
o que de pior há no interior dos países que buscam a igualdade social.
Isso ocorreu em 1954, contra Vargas, e, dez anos depois, com o golpe
militar.
Não podemos, nem devemos, nos meter nos assuntos internos do Paraguai,
mas não podemos admitir que o que ali ocorra venha a perturbar os nossos
atos soberanos, entre eles os compromissos com o Mercosul e com a
Unasul. Mais ainda: em conseqüência de uma decisão estratégica
equivocada do regime militar, estamos unidos ao Paraguai pela
Hidrelétrica de Itaipu. O lago e a usina, sendo de propriedade
binacional, se encontram sob uma soberania compartida, o que nos
autoriza e nos obriga a defender sua incolumidade e o seu funcionamento,
com todos os recursos de que dispusermos.
Esse é um aspecto do problema. O outro, tão grave quanto esse, é o da
miséria, naquele país e em outros, bem como em bolsões no próprio
território brasileiro. Lugo pode ter, e tem, todos os defeitos, mas foi
eleito pela maioria do povo paraguaio. Como costuma ocorrer na América
Latina, o povo concentrou seu interesse na eleição do presidente,
enquanto as oligarquias cuidaram de construir um parlamento reacionário.
Assim, ele nunca dispôs de maioria no Congresso, e não conseguiu
realizar as reformas prometidas em campanha.
Lugo tem procurado, sem êxito, resolver os graves problemas da
desigualdade, da qual se nutriram líderes como Morínigo e ditadores como
Stroessner. Por outro lado, o parlamento está claramente alinhado aos
Estados Unidos – de tal forma que, até agora, não admitiu a entrada da
Venezuela no Tratado do Mercosul.
O problema paraguaio é um teste político para a Unasul e o conjunto de
nações do continente. As primeiras manifestações – entre elas, a da OEA –
são as de que não devemos admitir golpes de estado em nossos países.
Estamos, a duras penas, construindo sistemas democráticos, de acordo com
constituições republicanas, e eleições livres e periódicas. Não
podemos, mais uma vez, interromper esse processo, a fim de satisfazer
aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos, associados à ganância do
sistema financeiro internacional e das corporações multinacionais, sob a
bandeira do neoliberalismo.
Os incidentes na fronteira do Paraguai com o Brasil, no choque entre a
polícia e os camponeses que ocupavam uma fazenda de um dos homens mais
ricos do Paraguai, Blas Riquelme, são o resultado da brutal desigualdade
social naquele pa[is. Como outros privilegiados paraguaios, ele recebeu
terras quase de graça, durante o governo corrupto e ditatorial de
Stroessner e de seus sucessores. Entre os sem-terra paraguaios, que
entraram na gleba, estavam antigos moradores na área, que buscavam
recuperar seus lotes. Muitos deles pertencem a famílias que ali viviam
há mais de cem anos, e foram desalojados depois da transferência
ilegítima da propriedade para o político liberal. E há, ainda, uma
ardilosa inversão da verdade. A ação policial contra os camponeses era e
é, de interesse dos oligarcas da oposição a Lugo, mas eles dela se
servem para acusar o presidente de responsável direto pelos incidentes e
iniciar o processo de impeachment. É o cinismo dos tartufos, semelhante
ao dos moralistas do Congresso Brasileiro, de que é caso exemplar um
senador de Goiás.
Quando encerrávamos estas notas, a comissão de chanceleres da Unasul,
chefiada pelo brasileiro Antonio Patriota, estava embarcando para
Assunção, a fim de acompanhar os fatos. Notícias do Paraguai davam conta
de que os chanceleres não serão bem recebidos pelos que armaram o golpe
parlamentar contra Lugo, e que se apressam para tornar o fato consumado
– enquanto colunas do povo afluem do interior para Assunção, a fim de
defender o que resta do mandato de Lugo.
Tudo pode acontecer no Paraguai – e o que ali ocorrer nos afeta;
obriga-nos a tomar todas as providências necessárias, a fim de preservar
a nossa soberania, e assegurar o respeito à democracia republicana no
continente.
Ainda bem que quando foi Collor as esquerdas não embarcaram nesse furada, se não estariam arrependidos de ter tirado do poder um presidente dos mais fundamentais para o Brasil. De fato, o que o PIG fez foi projetar gente para a política nacional mim vezes mais corrupta do Collor.
ResponderExcluirEles tomem conta das coisas para não ser necessário que Dilma mande o exército para proteger os brasileiros que moram lá.
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