“Nações que renunciam à luta pelo poder e deliberadamente
escolhem a impotência deixarão de exercer influência nas relações
internacionais, para o bem ou para o mal”
(Nicholas Spykman)
Nicholas
Spykman é um dos grandes teóricos da geopolítica e
da escola realista das relações internacionais. Suas teorias
influenciaram teóricos
e diplomatas contemporâneos como Hans Morgenthau, George F. Kennan,
Zbigniew Brzezinski
e Henry Kissinger. Durante a Guerra Fria, essa sofisticada escola deu o
tom na política
externa dos Estados Unidos.
No governo Bush Jr., com o advento dos “neocons”, a diplomacia americana foi transformada em mero apêndice do messianismo político da extrema-direita. Abaixo, um texto do prof. José Luís Fiori sobre o grande teórico.
Nicolas Spykman e a América Latina
Para o principal geoestrategista norte-americano do século
XX, qualquer ameaça à hegemonia dos EUA na América Latina deverá vir do sul, em
particular da Argentina, Brasil e Chile. Uma ameaça à hegemonia nesta região
terá que ser respondida através da guerra, escreve Spykman.
José Luís Fiori
Nicholas Spykman |
O principal “geoestrategista” norte-americano do século XX, nasceu em Amsterdã, em 1893, e morreu nos Estados Unidos, em 1943.
Era de origem holandesa, mas fez seus
estudos superiores na Universidade da Califórnia, e foi professor da
Universidade de Yale, onde dirigiu o seu Instituto de Estudos Internacionais,
entre 1935 e 1940.
Morreu ainda jovem, com 49 anos, e deixou
apenas dois livros sobre a política externa norte-americana: o primeiro, America’s
Strategy in World Politics, publicado em 1942, e o segundo, The Geography of the Peace,
publicado um ano depois da sua morte, em 1944.
Dois livros que se transformaram na pedra
angular do pensamento estratégico norte-americano de toda a segunda metade do
século XX, e do início do século XXI. Nicholas Spykman não foi um cientista,
foi um “geopolítico” e a geopolítica não é uma ciência, é apenas uma disciplina
que estuda a relação entre o espaço e a expansão do poder, antecipando e
racionalizando as decisões estratégicas dos países que exercem poder fora de
suas fronteiras nacionais.
É por isto, aliás, que só existe produção
geopolítica relevante nas chamadas “grandes potências”, e cada uma delas tem
sua própria “escola geopolítica”, com suas preocupações, objetivos e
racionalizações específicas.
Como no caso clássico da “escola
geopolítica alemã”, de Friederich Ratzel e Karl Haushofer, com a sua teoria do
“espaço vital” e do “pan-germanismo”, que serviu de ponto de partida para
explicar a “necessidade geográfica” de expansão alemã, na direção da Europa
Central, e da Rússia/União Soviética.
Ou também, como no caso da “escola
geopolítica inglesa” de Halford Mackinder, com sua famosa tese de que “quem
controla o “coração do mundo” (situado mais ou menos entre Berlim e Moscou), “controla
também a ‘ilha mundial’ (a Eurásia), e quem controla a ‘ilha mundial’ controla
o mundo”.
Teoria que serviu de base para justificar
a política externa britânica durante todo o século XX, e seu permanente veto e
bloqueio a qualquer aliança entre a Alemanha e a Rússia/União Soviética.
Halford Mackinder |
Dentro desta tradição, não há dúvida que
Nicholas Spykman foi o pai da “escola geopolítica norte-americana”. Ele partiu
das ideias de Halford Mackinder, mas modificou sua tese central: para Spykman,
quem tem o poder mundial não é quem controla diretamente o “coração do mundo”,
é quem é capaz de cercá-lo, como os Estados Unidos fizeram durante toda a
Guerra Fria, e seguem fazendo até os nossos dias.
Spykman escreveu seus dois livros antes da
entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, e por isto chama atenção
a sua capacidade genial de prever o que aconteceria depois da guerra, tanto
quanto a semelhança entre suas propostas estratégicas e a política externa que
os Estados Unidos adotaram efetivamente, durante a segunda metade do século XX,
na Europa, Ásia e América.
Em 1942, Nicholas Spykman defendeu a
necessidade de uma aliança estratégica e de uma hegemonia conjunta,
anglo-americana, para “gerir o mundo” depois do fim da Guerra, como de fato
ocorreu, em São
Francisco, em Bretton Woods, e na formulação da Doutrina
Churchill-Truman da “cortina de ferro”.
Além disto, Spykman defendeu a necessidade
de que os Estados Unidos reconstruíssem e protegessem a Alemanha, depois da
guerra, para facilitar a “contenção” da União Soviética, como aconteceu durante
toda a Guerra Fria. E defendeu também a necessidade de reconstruir e proteger o
Japão, para enfrentar a ameaça futura da China, que era na época o principal
aliado asiático dos Estados Unidos.
Por fim, Spykman se opôs ao projeto da
unificação europeia, e defendeu a manutenção do equilíbrio de poder europeu,
tutelado pelos Estados Unidos, como vem acontecendo cada vez mais, depois da
queda do Muro de Berlim. E com relação à América, o que foi que previu e propôs
Nicholas Spykman? Sobre este ponto, chama a atenção o grande espaço que ele
dedica na sua obra à discussão da América Latina, e em particular, à “luta pela
América do Sul”. Ele parte de uma separação radical, entre a América dos
anglo-saxões e a América dos latinos.
Nas suas palavras “as terras situadas ao
sul do Rio Grande constituem um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos.
E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina do
continente tenham que ser chamadas igualmente de América, evocando uma
similitude entre as duas que de fato não existe”.
Em seguida, ele propõe dividir o “mundo
latino” em duas regiões, do ponto de vista da estratégia americana, no
subcontinente: uma primeira, “mediterrânea”, que incluiria o México, a América
Central e o Caribe, além da Colômbia e da Venezuela; e uma segunda que
incluiria toda a América do Sul, abaixo da Colômbia e da Venezuela.
Feita esta separação geopolítica, Spykman
define a “América Mediterrânea como uma zona em que a supremacia dos Estados
Unidos não pode ser questionada. Para todos os efeitos trata-se um mar fechado
cujas chaves pertencem aos Estados Unidos. O que significa que o México,
Colômbia e Venezuela (por serem incapazes de se transformar em grandes
potências), ficarão sempre numa posição de absoluta dependência dos EUA”.
Donde, qualquer ameaça à hegemonia
americana na América Latina deverá vir do sul, em particular da Argentina,
Brasil e Chile, a “região do ABC”. Nas palavras do próprio Spykman: “para
nossos vizinhos ao sul do Rio Grande, os norte-americanos seremos sempre o
“Colosso do Norte”, o que significa um perigo, no mundo do poder político. Por
isto, os países situados fora da nossa zona imediata de supremacia, ou seja, os
grandes estados da América do Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar
contrabalançar nosso poder através de uma ação comum ou através do uso de
influências de fora do hemisfério”.
E neste caso, conclui: “uma ameaça à
hegemonia americana nesta região do hemisfério (a região do ABC) terá que ser
respondida através da guerra”.
O mais interessante é que se estas
análises, previsões e advertências não tivessem feitas por Nicholas Spykman,
pareceriam bravata de algum destes populistas latino-americanos, que inventam
inimigos externos e que se multiplicam como cogumelos, segundo a idiotia
conservadora.
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