Wasmosy (esq.) e o general Lino Oviedo |
Depois da queda da
ditadura do general Alfredo Stroessner, em 1989, o Paraguai passou por vários
momentos de crise política. Na verdade, o regime Partido/Estado criado pelos colorados
a partir de 1954 nunca foi desmontado. Em 1996, o general Lino César Oviedo,
comandante do Exército, tentou um golpe contra o presidente Juan Carlos
Wasmosy. Foi impedido pelo MERCOSUL, Brasil à frente. Oviedo tentou se
candidatar à sucessão, mas uma corte marcial criada ad hoc por Wasmosy o
condenou a dez anos de prisão. Oviedo indicou então um “poste”, Raúl Cubas, que
foi eleito presidente e o soltou da prisão.
José María Argaña |
Em 1999, o vice de
Cubas, José María Argaña – que se tornara adversário político dos oviedistas –
foi assassinado a tiros (em uma série de reportagens que fiz com dois colegas
da ISTOÉ no Paraguai, descobrimos que a cena do crime fora forjada e que Argaña
já estava morto quando crivaram seu carro de balas). Cubas foi afastado e, com
Oviedo, se exilou no Brasil. Nova tentativa de golpe ocorreu em 2000. A eleição de Fernando
Lugo, em 2008, pôs fim a 60 anos de hegemonia do Partido Colorado e parecia que
o país se estabilizara. Ledo engano.
Hoje o Senado aprovou o impeachment de Lugo. O desfecho dessa crise mostrará se o Paraguai deixou ou não de ser uma república de bananas.
Paraguai: o elo mais fraco?
por Rodrigo
Vianna
Em 1917, quando a
Revolução explodiu na Rússia, os marxistas encontraram uma explicação rápida
para o fato de o movimento comunista não ter surgido com mais
força nos países centrais do Capitalismo (como se depreendia que deveria
ocorrer, pelas teorias de Marx): a terra do Czar era “o elo mais fraco da
cadeia”.
Che Guevara morto por militares bolivianos em 1967 |
Nos anos 60, de
certa forma, foi isso também o que levou Guevara a fazer guerrilha na Bolívia,
em busca de outros vietnãs mundo afora. O país andino era um Estado
(aparentemente) fragilizado, sem a força de uma burguesia brasileira ou
argentina, sem a coesão política de Colômbia e Venezuela. Além disso, o povo
boliviano tinha tradição de luta – como já se fizera notar nos anos 50 do
século XX. Guevara terminou cercado e morto, porque o “frágil” Estado boliviano
teve apoio dos EUA no combate ao foco guerrilheiro. Não funcionou
na Bolívia a idéia do “elo mais fraco”.
Mas a direita
parece ter aprendido com isso.
Frente ao
movimento contínuo de governos à esquerda, eleitos nos últimos 15 anos na
América do Sul, e mesmo na América Central, os setores conservadores (com apoio
aparente dos seviços de inteligência dos EUA) passaram a atuar para
derrubar, justamente, os “elos mais fracos”.
Zelaya, ex-presidente de Honduas |
Fizeram isso
depois de perceber que atacar Chávez – como se tentou em 2002 – poderia
gerar uma reação ainda mais perigosa no continente. Primeiro, atuaram em Honduras.
Lá, um
presidente de origem conservadora, virara aliado tardio da
esquerda bolivariana. Mas faltava coesão e mobilização social à base de
apoio de Zelaya. A direita deu o golpe, com aparência de legalidade. O
presidente foi tirado de pijama de casa, e deportado. Os EUA prontamente
“reconheceram” o novo governo. E Honduras entrou depois numa espiral de
violência, em que o Estado foi retomado pelas forças mais conservadoras.
Agora, o “elo mais
fraco” é o Paraguai. Lugo chegou ao poder sem maioria no Congresso (alô
rapaziada que torce o nariz para as alianças de Lula e Dilma; sem
aliança, Lula teria virado um Lugo em 2005), desgastou-se pessoalmente com
escândalos sexuais. E a base social de seu governo – apesar de ter algum peso –
parece ser a mais fraca do subcontinente, na comparação com Argentina,
Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil e Uruguai.
Há alguns anos,
pessoas da minha família que moram em Assunção já haviam relatado o
estranhamento geral no Paraguai com o tal EPP (uma guerrilha “misteriosa”,
surgida em províncias de tradição agrária e que passou a atuar e espalhar o
‘terror” entre fazendeiros, justamente no governo Lugo). A mídia paraguaia
tenta associar o EPP aos movimentos sociais históricos, que deram e dão apoio a
Lugo. Cria-se assim uma gelatina confusa de “subversão” e ameaça à
propriedade. Lugo seria associado a essa gelatina, essa é a base para o golpe
parlamentar em curso.
Lugo é acusado –
especificamente – de inação pelo confronto entre militantes sem-terra e a
polícia, há poucos dias. Houve várias mortes. O confronto, registrado em
imagens ricas e abundantemente distribuídas mundo afora, pode não ter sido
“armado”. Não tenho provas para afirmar coisa parecida. Mas não me cheira bem.
Sabemos que a CIA segue a atuar. O Wikileaks revela como opera a rede de
informações (com apoio na mídia, inclusive brasileira, que tenta revereter a
“onda vermelha” na América do Sul). É fato que, à direita paraguaia,
interessava sobremaneira ter um ou vários cadáveres à mão – para colocar na
conta de Lugo. Como se o presidente, e não a histórica concentração de terras
no país vizinho, fosse o cupado pelos confrontos agrários e a instabilidade no
campo.
Fernando Lugo: ele vai resistir? |
Um ex-bispo,
acusado ao mesmo tempo de subversão e de traição ao princípio católico do
celibato, parece ser o “elo mais fraco” perfeito para uma direita acuada na
América do Sul.
O libelo
acusatório contra Lugo é uma piada, parece escrito pelo professor Hariovaldo.
Mas na Venezuela, em 2002, os discursos dos golpistas também pareciam uma
piada. E, se não fosse a reação popular, Chávez estaria exilado ou morto.Resta saber se
Lugo terá a grandeza e a firmeza de Chávez. E mais que isso: se contará
com apoio popular efetivo para reverter o golpe “hondurenho” desfechado pelo
Parlamento. Apoio diplomático ele tem. A UNASUL está com Lugo. Mas Zelaya
também teve todo esse apoio. E perdeu.
Do outro lado há o
peso histórico da direita, que dialoga diretamente com Washington, na
tentativa de iniciar a reversão da onda vermelha na América do Sul.
O Paraguai será o
elo mais fraco a se romper? Ou a direita morrerá cercada no Parlamento – feito
Guevara no interior boliviano? É a história que se escreverá nas ruas de
Assunção e no interior do país vizinho.
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