O patético discurso que o senador Demóstenes Torres dirigiu a
um plenário vazio, levado ao público pela emissora do Senado, talvez
tenha sido o mais emblemático episódio do caso de corrupção que tem como
centro o homem de negócios Carlos Augusto Ramos.
O texto do
pronunciamento, bem redigido, mas chocho de credibilidade, é uma peça de
acusação à Polícia Federal. Os federais - conforme a
defesa-acusação do senador goiano - teriam editado as suas frases,
gravadas das conversas interceptadas com o suspeito, de forma a
comprometê-lo. Aceitando-se, como se deve, que os acusados têm o pleno
direito a defender-se, é difícil que alguém, dotado de fiapos de
lucidez, duvide da societas sceleris, formada em Goiânia e Anápolis, para a ocupação do poder público pelo que se convencionou chamar crime organizado.
Se ele realmente estivesse convencido de sua inocência, não lhe
caberia pedir perdão aos senadores. Nenhum inocente pedirá perdão por
erros não cometidos. O homem de bem, em situações semelhantes, vai ao
ataque, enfrenta seus adversários com brio. O homem de bem age como
Francisco I, derrotado na batalha de Pavia, em 1525 - e prisioneiro de
Carlos 5º - ao dirigir-se à mãe, com a frase que se tornou lugar comum
em situações de derrota: tudo está perdido, menos a honra.
O mandato parlamentar não é um bem absoluto do homem público; é
uma situação eventual, quase precária. Faz parte da biografia, não é a
totalidade da vida. A honra, essa, sim, acompanha a vida, e pode ser
preservada mesmo nas situações peculiares da política, quando as
alianças se fazem e desfazem em razão das circunstâncias. Quem conhece
as vielas sinuosas da política sabe que o adversário de hoje pode vir a
ser o correligionário de amanhã, mas que, em qualquer caso, a palavra
empenhada deve ser ainda mais poderosa do que os compromissos escritos. É
assim que, na necessidade de se romper um acordo, o ato é precedido de
uma conversa franca, para que se preserve a possibilidade de
entendimentos futuros. Agir assim, com transparência e franqueza, é agir
com honra.
Na ação política não há espaço para o perdão. O senador Torres
não ofendeu seus pares. Ofendeu o povo de Goiás, que lhe conferiu o
mandato de seu representante na Câmara Federativa. Em suas relações tão
próximas com o empresário, ele ofendeu o povo brasileiro. Uma análise
mais fria dos fatos faz dele culpado maior do que Carlos Cachoeira.
Cachoeira compra, mas para comprar, necessita de vendedores. Daqueles
que vendem sua honra, ao facilitar negócios que se realizam em prejuízo
da coisa pública.
A esposa de Carlos Cachoeira, tal como Demóstenes, teria feito
melhor se não falasse à televisão. Entrevistada por uma jornalista
hábil, ela se enrolou em suas frases, como joaninha presa na teia da
aranha. Insistiu em que seu marido “é um prisioneiro político”. É uma
tese ousada e terrível: se Cachoeira é prisioneiro político, a sua
atividade criminosa passa a ser ato político e, por conclusão
dialética, a política seria uma ação criminosa. Não é assim: Carlos
Cachoeira está sendo acusado de corromper políticos, em troca de favores
e de usurpar o poder político, ao fazer de mandatários do povo,
protetores de suas atividades como contraventor e seus cúmplices no
assalto ao erário.
Seria melhor - para a preservação do que lhe possa restar de
pudor, diante das evidências de seus erros - que Demóstenes desistisse
de seu mandato e abandonasse de vez a vida pública. Há certas situações
em que o ostracismo é o melhor refúgio para a vergonha. E usamos o
substantivo vergonha, autorizados por ele mesmo, que se confessou de tal forma envergonhado, que não conseguiu dirigir-se a todos os seus pares para, pessoalmente, contristar-se de seus atos.
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