A invenção da moeda, contemporânea à do Estado, foi um dos
maiores lampejos da inteligência humana. A primeira raiz indoeuropéia de
moeda é “men”, associada aos movimentos da alma na mente, que chegou às línguas modernas pelo verbo sânscrito mányate
(ele pensa). Sem essa invenção, que permite a troca de bens de natureza
e valores diferentes, não teria havido a civilização que conhecemos.
A construção das sociedades e sua organização em estados se
fizeram sobre essa convenção, que se funda estritamente na boa fé de
todos que dela se servem. Os estados, sempre foram os principais
emissores de moeda. A moeda, em si mesma, é neutra, mas, desde que
surgiu, passou a ser também servidora dos maiores vícios humanos. Com a
moeda, vale repetir o lugar comum, cresceram a cobiça, a luxúria, a
avareza – e os banqueiros.
A moeda, ou os valores monetários, mal ou bem, estavam sob o
controle dos Estados emitentes, que se responsabilizavam pelo seu valor
de face, mediante metais nobres ou estoques de grãos. Nos tempos
modernos, no entanto, a sua garantia é apenas virtual. Os convênios
internacionais se amarram a um pacto já desfeito, o Acordo de Bretton
Woods, de 1944. A
ruptura do contrato foi ato unilateral dos Estados Unidos, sob a
presidência Nixon, ao negar a conversibilidade em ouro do dólar, moeda
de referência internacional pelo Acordo.
Essa decisão marca o surgimento de uma nova era, em que o valor
da moeda não se relaciona com nada de sólido. Os bancos, ao
administrá-la, deveriam conduzir-se de forma a merecer a confiança
absoluta dos depositantes e dos acionistas, e assegurar essa mesma
confiabilidade às suas operações de crédito. O papel social dos bancos é
o de afastar os usurários e agiotas do mercado do dinheiro. Mas não é
desta forma que têm agido, sobretudo nestes nossos tempos de
desmantelamento dos estados.Hoje, não há diferença entre um Shylock
shakespereano e qualquer dirigente dos grandes bancos.
Na Inglaterra, o escândalo do Barclays, que se confessou o
primeiro banco responsável pela manipulação da taxa Libor, provocou o
espanto da opinião pública, mas não dos meios financeiros que não só
conheciam o deslize, como dele se beneficiavam.
Segundo noticiou ontem El Pais, os dois grandes executivos da Novagalícia,
surgida da incorporação de duas instituições oficiais da província
galega – a NovaCaixa e a Caixa Galícia – e colocada sob o controle de
Madri em setembro do ano passado, pediram desculpas aos seus clientes,
por ter a instituição agido mal. Entre outros de seus malfeitos, esteve o
de enganar pequenos investidores mal informados, entre eles alguns
analfabetos, com aplicações de alto risco, ou seja, ancoradas em débitos
podres, as famosas subprimes, adquiridas dos bancos maiores que operam
no mercado imobiliário do mundo inteiro.
Além disso, os antigos responsáveis por esses desvios, deixaram
seus cargos percebendo indenizações altíssimas. E os novos
administradores tiveram sua remuneração reduzida, por serem as antigas
absolutamente irracionais. Com todas essas desculpas, a Novagalícia quer
uma injeção de seis bilhões de euros, a fim de regularizar a sua
situação.
Este jornal reproduziu, ontem, artigo de The Economist,
a propósito da manipulação da taxa Libor, por parte do Barclays, e
disse, com a autoridade de uma revista que sempre esteve associada à
City, que não há mais confiança nos maiores bancos, do mundo, como o
Citigroup, o J.P.Morgan, a União de Bancos Suíços, o Deutschebank e o
HSBC. Executivos desses bancos, de Wall Street a Tóquio, estão
envolvidos na grande manipulação sobre uma movimentação financeira
total de 800 trilhões de dólares.
Para entender a extensão da falcatrua, o PIB mundial do ano passado foi calculado em cerca de 70 trilhões de dólares, menos de dez por cento
do dinheiro que circulou escorado na taxa manipulada pelos grandes
bancos. A Libor, sendo a taxa usada nas operações interbancárias, serve
de referência para todas as operações do mercado financeiro.
O mundo se tornou propriedade dos banqueiros. Os trabalhadores
produzem para os banqueiros, que controlam os governos. E quando, no
desvario de sua carência de ética, e falta de inteligência, os bancos
investem na ganância dos derivativos e outras operações de saqueio, são
os que trabalham, como empregados ou empreendedores honrados, que
pagam. É assim que estão pagando os povos da Grécia, da Espanha, de
Portugal, da Grã Bretanha, e do mundo inteiro, mediante o arrocho e o
corte das despesas sociais, pelos governos vassalos, alem do desemprego,
dos despejos inesperados, das doenças e do desespero, a fim de que os
bancos e os banqueiros se safem.
Se os governantes do mundo inteiro fossem realmente honrados,
seria a hora de decidirem, sumariamente, pela estatização dos bancos e o
indiciamento dos principais executivos da banca mundial. Eles são os
grandes terroristas de nosso tempo. É de se esperar que venham a
conhecer a cadeia, como a está conhecendo Bernard Madoff. Entre o
criador do índice Nasdaq e os dirigentes do Goldman Sachs e seus pares,
não há qualquer diferença moral.
Os terroristas comuns matam dezenas ou centenas de cada vez. Os
banqueiros são responsáveis pela morte de milhões de seres humanos,
todos os anos, sem correr qualquer risco pessoal. E ainda recebem bônus
milionários.
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