(HD) - Quando há catástrofes,
naturais ou provocadas, como a de Santa Maria, uma pergunta sempre arranha o
coração das pessoas: por quê? E se os mortos são próximos de nós, essa pergunta
dói ainda mais. Os rapazes e moças que saíram de casa, no sábado, não
tinham encontro marcado com a morte,
mas, sim, com a vida. Era a alegria da vida que os conduzia. Alguns iriam
passar parte da noite com os amigos, com as namoradas e os namorados, outros,
provavelmente, fugiam da solidão. Ainda que estejamos entre estranhos, quando
há alegria, não estamos sós. Podemos
ouvir a sua voz, sorrir com os seus sorrisos, contemplar a beleza de seus
gestos, e acompanhar os acordes musicais. Os que morreram não estavam sós
naquele momento brutal. Como haviam comungado da alegria, até o instante do
fogo, comungaram do susto, do desespero, do fim. Todos os brasileiros rezam, com os familiares, para que os feridos
se recuperem e sobrevivam.
Para além do fato policial, que está
sendo investigado e da necessária ação da justiça contra os culpados, diante
das suspeitas de corrupção e da negligência dolosa que levaram ao incêndio, há
que se meditar o crescente desprezo pela vida em nosso tempo. Esse desprezo
pela vida é proporcional ao totalitarismo que o capital exerce sobre a
sociedade mundial contemporânea. Há quase cem anos que – na mesma intensidade
em que esse totalitarismo se insinuava e se instalava – alguns intelectuais,
que viviam no centro dessa razão pervertida, ou seja, na Alemanha, o
denunciaram, com aguda percepção.
Eles apontavam a indústria cultural, como o
principal instrumento desse movimento para a dominação do mundo. A cultura, em
sua visão, deixava de ser a espontânea manifestação da inteligência e da
emotividade dos homens, mas se tornava um produto
do capital, com o objetivo maior de servir à ordem de domínio. É assim que, na
visão empresarial de um sobrinho de Freud - o austríaco Edward Bernays, pioneiro do que chamamos merchandising
- todas as pessoas podem ser induzidas a ter o comportamento que lhes ditarmos,
mediante os meios de comunicação.
É assim que hoje temos uma sociedade
globalizada. Casas noturnas existem em todos os lugares do mundo, de Xangai a
Manaus; de Berlim a Santa Maria. Confina-se, em espaço reduzido e rigorosamente
fechado, a alegria que, até há alguns decênios, se reunia em clubes e casas de
baile, de portas e janelas abertas. A
cultura, em seu sentido lato, ou seja, o conjunto de hábitos, crenças e valores,
que antes definiam uma sociedade em particular, passou ao circuito das coisas
administradas pelo capital.
Antes que a emoção arrefeça, e a lógica da ganância volte a prevalecer nesse setor particular da indústria do entretenimento, é preciso que em todas as cidades do Brasil, casas em situação semelhante sejam fechadas.
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