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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O ESTRANHO CASO DO GENERAL




 Conheci o general Lino César Oviedo em 1997 ou 1998, quando eu o entrevistei para as “páginas vermelhas” da ISTOÉ. Lembro-me de que em sua casa havia várias fotos dele fardado como um típico caudilho latino-americano, montado num cavalo branco, feito um Napoleão do Chaco. 
Na época, fazia pouco tempo que Oviedo tinha sido afastado do comando do Exército paraguaio, acusado de tentar um golpe contra o presidente Juan Carlos Wasmosy. Absolvido da acusação pela Justiça, Oviedo ganhou a convenção do Partido Colorado, derrotando José Maria Argaña, candidato de Wasmosy. Mas em seguida, uma corte marcial criada ad hoc por Wasmosy condenou Oviedo a dez anos de prisão pela tentativa de golpe, tirando-o da disputa pelo Palácio de López.

Oviedo era cria do “coloradismo”, sistema nascido nos anos 1940 e consolidado a partir de 1954 pela ditadura do general Alfredo Stroessner. Era um modelo em que o partido se confundia com o Estado, os funcionários públicos eram obrigados a pertencer ao Partido Colorado e a repressão comia solta. De tempos em tempos, ocorriam eleições fraudulentas para referendar El Supremo. Esse esquema deixou de ser útil e ruiu em 1989, por pressão dos EUA, depois do fim das ditaduras militares na Bolívia, Argentina, Brasil, Uruguai e Chile. Stroessner foi deposto por seu próprio genro, o general Andrés Rodríguez, que virou presidente. Oviedo participou ativamente do golpe contra seu ex-protetor. O stronismo caiu, mas o coloradismo continuou no poder, corrupto e repressivo como sempre, mas agora disfarçado de democracia.

Oviedo quando voltou ao Paraguai e foi preso, em 2005
Na convenção do Partido Colorado que escolheria o candidato presidencial às eleições de 1993, Oviedo usou a máquina para favorecer Wasmosy, derrotando o favorito José María Argaña. Wasmosy e Oviedo governaram o Paraguai em condomínio; o general como comandante do Exército. Mas em 1996 Oviedo rompeu com Wasmosy, que o afastou. Inconformado, o general apelou para a caserna, mas fracassou – principalmente devido às pressões do Mercosul e da embaixada americana em Assunção, que ameaçaram o país caso o golpe se consolidasse. Afastado, preso e impedido de ser o candidato presidencial dos colorados em 1998, Oviedo criou uma facção e lançou mão de um “poste” para substituí-lo, Raúl Cubas, que ganhou facilmente a eleição e libertou o padrinho do cárcere. Como os colorados não queriam largar o osso, o partido se reunificou e Argaña, que se tornara o candidato de Wasmosy, saiu como vice na chapa de Cubas. Mas Argaña e os oviedistas não se entendiam. Em 1999, Argaña foi assassinado a tiros em seu carro quando se dirigia ao trabalho, no centro de Assunção. Cubas e Oviedo foram acusados como mandantes do crime; a agitação ganhou as ruas. O presidente foi deposto e os dois se exilaram na Argentina e depois no Brasil. Oviedo acabou preso em Foz do Iguaçu, sendo depois enviado a Brasília. Libertado tempos depois, o Paraguai pediu sua extradição, o que foi negado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu sua condição de "vítima de perseguição política".

José María Argaña: assassinato foi uma farsa
Como viríamos a descobrir, os eventos envolvendo o general Oviedo e o Paraguai não apenas fariam inveja a qualquer ficcionista latino-americano como seriam capazes de deixar Gabriel García Márquez e sua Macondo no chinelo. Em 2003, Oviedo – já então exilado no Brasil – apareceu na redação da ISTOÉ com um dossiê que, dizia ele, provava que o atentado contra Argaña tinha sido uma farsa montada por seus adversários para incriminá-lo e afastá-lo do poder. Quiseram me mandar para o Paraguai para investigar, mas eu achava que era fria, pois conhecia a “ficha corrida” de Oviedo. Então, enviamos os documentos que ele mostrou para legistas independentes. Em seguida, eu e os jornalistas Alan Rodrigues e Mário Simas Filho zarpamos para o Paraguai para fazer a reportagem. Quase caí para trás quando os legistas confirmaram a versão de Oviedo: Argaña já estava morto quando foi baleado. Nunca se soube se ele morreu de causas naturais – havia a versão de que ele tinha morrido de infarto num motel com uma amante – ou se foi assassinado por seus próprios partidários, que depois montaram o teatro do atentado. Ficamos meses trabalhando no caso. Frente a tal realidade, eu percebi que jamais teria talento para ser um ficcionista...   

Oviedo, novamente candidato ao Palácio de López 
Oviedo permaneceu cinco anos no Brasil; em 2005 ele decidiu voltar ao Paraguai para acertar contas com a Justiça de seu país. Nós, os “três mosqueteiros”, como ele nos apelidou, o acompanhamos em sua volta ao Paraguai, onde ele foi preso assim que desembarcou do avião. Ficou detido num quartel até 2007, quando a Justiça lhe concedeu liberdade condicional. Candidato a presidente em 2008, foi derrotado por Fernando Lugo. Líder da terceira força política do país, a Unace (União Nacional dos Cidadãos Éticos), Oviedo teve um papel fundamental no “golpe branco” contra o presidente Lugo no ano passado. Tentava novamente chegar ao Palácio de López, mas morreu sábado num acidente de helicóptero. Seus correligionários já estão falando em “atentado”. Não me surpreenderia. Nada é impossível no Paraguai.  



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