Conheci o general Lino César Oviedo em 1997 ou 1998, quando
eu o entrevistei para as “páginas vermelhas” da ISTOÉ. Lembro-me de que em sua
casa havia várias fotos dele fardado como um típico caudilho latino-americano, montado
num cavalo branco, feito um Napoleão do Chaco.
Na época, fazia pouco tempo que Oviedo
tinha sido afastado do comando do Exército paraguaio, acusado de tentar um
golpe contra o presidente Juan Carlos Wasmosy. Absolvido da acusação pela
Justiça, Oviedo ganhou a convenção do Partido Colorado, derrotando José Maria Argaña,
candidato de Wasmosy. Mas em seguida, uma corte marcial criada ad hoc por Wasmosy condenou Oviedo a dez
anos de prisão pela tentativa de golpe, tirando-o da disputa pelo Palácio
de López.
Oviedo era cria do “coloradismo”, sistema nascido nos anos
1940 e consolidado a partir de 1954 pela ditadura do general Alfredo
Stroessner. Era um modelo em que o partido se confundia com o Estado, os funcionários
públicos eram obrigados a pertencer ao Partido Colorado e a repressão comia
solta. De tempos em tempos, ocorriam eleições fraudulentas para referendar El Supremo. Esse
esquema deixou de ser útil e ruiu em 1989, por pressão dos EUA, depois do fim
das ditaduras militares na Bolívia, Argentina, Brasil, Uruguai e Chile. Stroessner
foi deposto por seu próprio genro, o general Andrés Rodríguez, que virou
presidente. Oviedo participou ativamente do golpe contra seu ex-protetor. O
stronismo caiu, mas o coloradismo continuou no poder, corrupto e repressivo
como sempre, mas agora disfarçado de democracia.
Oviedo quando voltou ao Paraguai e foi preso, em 2005 |
Na convenção do Partido Colorado que escolheria o candidato presidencial
às eleições de 1993, Oviedo usou a máquina para favorecer Wasmosy, derrotando o
favorito José María Argaña. Wasmosy e Oviedo governaram o Paraguai em
condomínio; o general como comandante do Exército. Mas em 1996 Oviedo rompeu
com Wasmosy, que o afastou. Inconformado, o general apelou para a caserna, mas
fracassou – principalmente devido às pressões do Mercosul e da embaixada
americana em Assunção, que ameaçaram o país caso o golpe se consolidasse. Afastado,
preso e impedido de ser o candidato presidencial dos colorados em 1998, Oviedo criou uma facção e lançou
mão de um “poste” para substituí-lo, Raúl Cubas, que ganhou facilmente a
eleição e libertou o padrinho do cárcere. Como os colorados não queriam largar
o osso, o partido se reunificou e Argaña, que se tornara o candidato de
Wasmosy, saiu como vice na chapa de Cubas. Mas Argaña e os oviedistas não se
entendiam. Em 1999, Argaña foi assassinado a tiros em seu carro quando se
dirigia ao trabalho, no centro de Assunção. Cubas e Oviedo foram acusados como
mandantes do crime; a agitação ganhou as ruas. O presidente foi deposto e os
dois se exilaram na Argentina e depois no Brasil. Oviedo acabou preso em Foz do
Iguaçu, sendo depois enviado a Brasília. Libertado tempos depois, o Paraguai
pediu sua extradição, o que foi negado por unanimidade pelo Supremo Tribunal
Federal, que reconheceu sua condição de "vítima de perseguição política".
José María Argaña: assassinato foi uma farsa |
Como viríamos a descobrir, os eventos envolvendo o general Oviedo
e o Paraguai não apenas fariam inveja a qualquer ficcionista latino-americano como
seriam capazes de deixar Gabriel García Márquez e sua Macondo no chinelo. Em
2003, Oviedo – já então exilado no Brasil – apareceu na redação da ISTOÉ com um
dossiê que, dizia ele, provava que o atentado contra Argaña tinha sido uma
farsa montada por seus adversários para incriminá-lo e afastá-lo do poder.
Quiseram me mandar para o Paraguai para investigar, mas eu achava que era fria,
pois conhecia a “ficha corrida” de Oviedo. Então, enviamos os documentos que
ele mostrou para legistas independentes. Em seguida, eu e os jornalistas Alan
Rodrigues e Mário Simas Filho zarpamos para o Paraguai para fazer a reportagem.
Quase caí para trás quando os legistas confirmaram a versão de Oviedo: Argaña já
estava morto quando foi baleado. Nunca se soube se ele morreu de causas naturais
– havia a versão de que ele tinha morrido de infarto num motel com uma amante –
ou se foi assassinado por seus próprios partidários, que depois montaram o
teatro do atentado. Ficamos meses trabalhando no caso. Frente a tal realidade, eu
percebi que jamais teria talento para ser um ficcionista...
Oviedo, novamente candidato ao Palácio de López |
Oviedo permaneceu cinco anos no Brasil; em 2005 ele decidiu
voltar ao Paraguai para acertar contas com a Justiça de seu país. Nós, os “três
mosqueteiros”, como ele nos apelidou, o acompanhamos em sua volta ao Paraguai, onde
ele foi preso assim que desembarcou do avião. Ficou detido num quartel até
2007, quando a Justiça lhe concedeu liberdade condicional. Candidato a
presidente em 2008, foi derrotado por Fernando Lugo. Líder da terceira força
política do país, a Unace (União Nacional dos Cidadãos Éticos), Oviedo teve um
papel fundamental no “golpe branco” contra o presidente Lugo no ano passado. Tentava
novamente chegar ao Palácio de López, mas morreu sábado num acidente de helicóptero.
Seus correligionários já estão falando em “atentado”. Não me surpreenderia.
Nada é impossível no Paraguai.
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