(JB) - Ao surpreender o
mundo – menos alguns íntimos de sua fadiga – com a renúncia ao papado, Bento 16
revela a grande crise por que passa a Igreja Católica. Quando Gregório XII
renunciou, em 1415, seu gesto unificou a instituição, então dividida sob três
pontífices desde 1378. Ângelo Correr percebeu, com acuidade, que ele serviria
melhor à sua própria posteridade ao servir à unidade da Igreja, e abandonar o
trono papal.
Um dos mais destacados latinistas e gramáticos da História, Valla provou que o latim usado para redigir o documento não existia no século 4. A inteligência lógica de Ambrósio arquitetou a construção política da Igreja, conduzida na sábia combinação entre a concentração da autoridade espiritual no Vaticano, exercida mediante os bispos, e a distribuição do poder temporal entre os reis e os senhores feudais, sem esquecer o domínio direto sobre os estados pontifícios, que garantiam a incolumidade dos papas.
Ambrósio, nobre burocrata do Império, que pagão até ser eleito bispo de Milão, não agiu como teólogo, que não era, mas, sim, como um dos mais hábeis estrategistas políticos da História. Coube-lhe salvar os pontos basilares da idéia do Ocidente.
Mesmo que não a desejasse, Ratzinger seria compelido à renúncia, pelos mais eminentes membros da Cúria Romana, que se preocupam com a sanidade mental do Pontífice, cujo engajamento com os setores mais conservadores da Igreja tem comprometido o seu arbítrio. Acrescente-se o movimento, subterrâneo, mas vigoroso, da Igreja Latina – e mais perceptível no episcopado italiano – de encerrar o período de papas menos universais e empenhados em sua razão nacionalista, como o polonês e o alemão. Isso não significa que o clero italiano recupere a Santa Sé, mas anuncia uma campanha intensa durante o conclave em favor de um candidato com as chances de Ângelo Scola, atual arcebispo de Milão, e advogado de diálogo franco e aberto com o Islã.
Em seu pronunciamento de renúncia, o Papa associou seu gesto à crise do pensamento ocidental, no tempo de alucinantes mudanças:
Ele não era O Papa, mas a terceira
parte de um poder que, dividido, enfraquecia-se cada vez mais diante do mundo
e, o que é pior, diante da História. Os dois anos de vida que lhe sobraram –
morreu em 1417 - lhe devem ter
assegurado esse consolo. Ele tinha 90 anos ao renunciar – uma idade difícil de
atingir naquela véspera do Renascimento – mas deu a seu gesto o claro caráter
político, ao negociá-lo com o adversário mais forte, e influir na escolha –
unânime, do sucessor, Martinho V – da poderosa família Colonna. Não alegou
cansaço, mas, sim, responsabilidade política.
Mais longa do que o Grande Cisma
dos séculos 14 e 15, que durou quase 40 anos, é a já duradoura crise do
Ocidente, de que a Igreja foi fiadora e principal organização política, desde
Constantino e Ambrósio. Depois da morte de ambos, a Igreja se proclamou herdeira do Império
Romano, com base em um documento apócrifo, a
Constitutum Constantini, segundo o qual Constantino legava ao papa
Silvestre I – e, assim, à Igreja – todo o poder político e todos os bens do
Império. O documento, forjado no século 8, foi desmascarado por Lourenço
Valla, no século 15.
Um dos mais destacados latinistas e gramáticos da História, Valla provou que o latim usado para redigir o documento não existia no século 4. A inteligência lógica de Ambrósio arquitetou a construção política da Igreja, conduzida na sábia combinação entre a concentração da autoridade espiritual no Vaticano, exercida mediante os bispos, e a distribuição do poder temporal entre os reis e os senhores feudais, sem esquecer o domínio direto sobre os estados pontifícios, que garantiam a incolumidade dos papas.
Dessa forma foi possível, em esforço de
séculos, domar a anarquia, conter e assimilar os bárbaros e dar estrutura
política e social à Idade Média, com a consolidação da injustiça de sempre
contra os pobres e os pensadores que os defendiam, quase sempre levados às
inquisições e à fogueira, como ocorreu a Giordano Bruno, no auge do
Renascimento, em 1600.
Ambrósio, nobre burocrata do Império, que pagão até ser eleito bispo de Milão, não agiu como teólogo, que não era, mas, sim, como um dos mais hábeis estrategistas políticos da História. Coube-lhe salvar os pontos basilares da idéia do Ocidente.
A Igreja sempre fez alianças com o
poder temporal, algumas piores do que as outras, a fim de evitar a prevalência
do verdadeiro Cristianismo sobre seus interesses políticos no mundo. É assim
que o Vaticano de nossos dias – depois de tolerância criminosa com Hitler, sob
Pio XII – mantém o acordo firmado entre Reagan e Wojtyla, há mais de trinta anos, com o objetivo,
atingido, de destruir a União Soviética e combater o socialismo. É preciso
lembrar que, para o êxito da conspiração, contribuíram o traidor Gobartchev,
hoje garoto propaganda dos artigos de luxo da Louis Vuitton, e as operações do Banco Ambrosiano (valha a coincidência),
para financiar o Solidarinost, o sindicato de direita da Polônia, liderado por
Lech Walesa.
Mesmo que não a desejasse, Ratzinger seria compelido à renúncia, pelos mais eminentes membros da Cúria Romana, que se preocupam com a sanidade mental do Pontífice, cujo engajamento com os setores mais conservadores da Igreja tem comprometido o seu arbítrio. Acrescente-se o movimento, subterrâneo, mas vigoroso, da Igreja Latina – e mais perceptível no episcopado italiano – de encerrar o período de papas menos universais e empenhados em sua razão nacionalista, como o polonês e o alemão. Isso não significa que o clero italiano recupere a Santa Sé, mas anuncia uma campanha intensa durante o conclave em favor de um candidato com as chances de Ângelo Scola, atual arcebispo de Milão, e advogado de diálogo franco e aberto com o Islã.
Em seu pronunciamento de renúncia, o Papa associou seu gesto à crise do pensamento ocidental, no tempo de alucinantes mudanças:
“... no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças
e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a
barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do
corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de
tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar
bem o ministério que me foi confiado”.
Como anotou Gregório de Tours, no
enigmático século 6, o mundo de vez em quando envelhece, encasulado na dúvida,
e reclama a metamorfose. A Igreja Cristã (não só a Católica) e o Ocidente,
xifópagos há 16 séculos, necessitam reinventar-se. Talvez a astúcia hoje dependa
de pensadores abertos, como o arcebispo de Milão, sucessor de Ambrósio no
episcopado. Talvez seja o tempo de se convocar não um Concílio da Igreja
Católica, mas de organizar-se Concílio
Ecumênico Universal, para salvar a idéia de um Deus comum, reunindo todas as
crenças em nome da vida e da paz entre os homens de boa vontade.
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