Entrevista com Valter Pomar: PT, um partido ímpar
Entrevista concedida a redação do Página 13
“Temos quer voltar a ser um partido que atua também nos anos ímpares e
que sabe combinar luta social, luta ideológica, construção e
partidária, com disputa eleitoral, ação parlamentar e governamental”.
O jornal Página 13 entrevista nesta edição Valter Pomar,
membro do Diretório Nacional do PT e Secretário Executivo do Foro de São
Paulo. O dirigente petista faz uma análise da trajetória do partido que
completa 33 anos, no dia 10 de fevereiro. Fala sobre os dez anos do
partido frente ao Governo Federal; e a necessidade de que o Processo de
Eleições Diretas, que será realizado este ano seja capaz de formular uma
nova estratégia para o PT enfrentar a atual situação política, nacional
e regional e mundial.
PG13 – O PT completa 33 anos no dia 10 de fevereiro. Qual é a diferença do PT de 1980 e de hoje?
Valter Pomar – A principal diferença é que hoje somos governo nacional e
temos melhores condições para materializar nossas propostas. Mas
conquistamos a presidência de República em condições muito diferentes
daquelas que existiam em 1980 ou em 1989. O PT é diferente, o Brasil é
diferente, a América Latina e o mundo são diferentes.
PG13 – O que mudou desde fundação do PT para cá?
Valter Pomar – De maneira geral, a onda neoliberal que começou nos anos
1970 afetou negativamente o mundo do trabalho, as nações em
desenvolvimento, o estado de bem estar europeu, o socialismo de tipo
soviético e causou imensos estragos na cultura progressista,
democrática, de esquerda em todo o mundo. Tudo isto constrange o
potencial de um governo de esquerda.
PG13 – Como, apesar deste contexto negativo, o PT ganhou as eleições presidenciais?
Valter Pomar – Há várias causas. O neoliberalismo chegou tardiamente no
Brasil, quando já estava refluindo no resto do mundo. Em parte por isto,
em parte por nossas virtudes, conseguimos impedir os tucanos de
implementar o neoliberalismo até o fim: por exemplo, preservamos
estatais importantes, como o Banco do
Brasil e a Petrobras. O que quer dizer que a correlação de forças aqui
não era tão negativa quanto em outras partes. Por outro lado, apesar de
também ter sido impactado, o PT conseguiu ampliar sua influência
eleitoral nos anos 90, o que funcionou como um contraponto ao refluxo
das lutas sociais naquele mesmo período e funcionou como um acúmulo de
forças fundamental para entender a vitória de 2002. E, por fim, há um
fato importantíssimo: uma parte da burguesia brasileira estava
descontente com o fundamentalismo neoliberal de FHC e não fez contra
Lula 2002 o que havia feito contra o Lula 1989. Essas são algumas das
causas que nos levaram a vencer. A correlação de forças não impediu o PT
de ganhar as eleições presidenciais de 2002, mas produziu um governo
muito diferente do que faríamos, por exemplo, se tivéssemos vencido em
1989. Naquela época teríamos um governo de esquerda, já a partir de 2003
tivemos um governo de centro-esquerda.
PG13 – Em que o PT avançou?
Valter Pomar – Aqui é preciso distinguir as coisas. O PT nos anos 80 era
o partido da luta contra a ditadura e contra a transição conservadora,
um partido de oposição, ancorado nas lutas sociais e no socialismo como
objetivo. Já nos 90 nos convertemos em alternativa de governo contra o
neoliberalismo. E a partir de 2003, viramos o partido do presidente da
República. Assim, do ponto de vista de massa, nossos êxitos se confundem
com os êxitos do governo, que de maneira muito resumida consistem em
ter melhorado a vida do povo, recuperado o papel do Estado e adotado uma
política de integração regional. Numa frase, estamos nos desfazendo da
herança maldita do neoliberalismo. Mas o Partido não pode ser avaliado
apenas pelo que fez ou deixou de fazer enquanto governo. Temos objetivos
históricos que vão muito além daquilo que um governo é capaz de fazer.
E, neste aspecto, o balanço é mais contraditório.
PG13 – Você acha que nesses anos o PT retrocedeu?
Valter Pomar – As pesquisas, inclusive as nossas, mostram que o PT segue
sendo o partido com maior apoio popular, 24%, muito à frente do segundo
colocado, que é o PMDB, com 6%. Mas somos os maiores, num ambiente em
que cai o número de brasileiros e brasileiras que manifestam preferência
por algum partido: 61% em 1988, 44% em 2012. De maneira geral, podemos
dizer que nos últimos dez anos melhoraram as condições materiais de vida
do povo brasileiro, mas a subjetividade popular não acompanhou o ritmo.
Por subjetividade, eu me refiro ao ambiente cultural em geral, à
postura dos meios de comunicação e da indústria cultural, à qualidade da
educação pública, à auto-organização social, à democratização da
política e à vida interna dos partidos. No concreto: hoje no PT temos
mais filiados-eleitores que filiados-militantes. E nossa vida interna,
nosso debate, está longe, muito longe, da que necessitamos para governar
e principalmente transformar profundamente o país.
PG13 – Apesar disto, podemos falar que o PT é hoje o maior partido de esquerda da América Latina e um dos maiores do mundo?
Valter Pomar – Eu evito usar esta expressão, porque me recorda uma frase
de um ministro da ditadura militar acerca da Arena. Brincadeiras a
parte, o PT não é dos maiores partidos do ponto de vista numérico. Pode
ser que esteja enganado, mas acho que o percentual de brasileiros
filiados ao PT é inferior ao de uruguaios filiados à Frente Ampla.
Aliás, o PT precisa crescer muito em número de filiados, o que exigirá
garantir a existência de núcleos, de formação e de comunicação
partidária. Mas voltando a tua pergunta, embora numericamente possamos
não ser os maiores, ao menos proporcionalmente, do ponto de vista
político o PT é visto hoje como um dos partidos mais importantes do
mundo e da América Latina. Não apenas porque governamos o Brasil, com os
êxitos já citados, mas também porque expressamos uma esquerda que soube
resistir relativamente bem à crise do socialismo soviético e da
social-democracia.
PG13 – Quais os principais desafios do Partido para o próximo período?
Valter Pomar – Um dos desafios é não viver do passado glorioso, nem se
conformar com o presente exitoso. Noutras palavras: o PT não pode virar
um partido que tem um grande passado pela frente. Até porque, se
fizermos isto, seremos derrotados pela direita, que está se renovando,
se reciclando, nos atacando e experimentando caminhos para nos derrotar.
Outro desafio é deixar de ser um partido de anos pares, ou seja, um
partido que vive fundamentalmente em função dos processos eleitorais,
dos governos, dos mandatos parlamentares e do pagamento das dívidas das
campanhas anteriores. Temos quer voltar a ser um partido que atua também
nos anos ímpares e que sabe combinar luta social, luta ideológica,
construção e partidária, com disputa eleitoral, ação parlamentar e
governamental. Foi com esta combinação de formas de luta que acumulamos
forças para vencer em 2002. Um terceiro desafio é construir uma
estratégia que nos permita passar para uma nova etapa, uma etapa de
reformas estruturais no país. Aqui, em minha opinião, trata-se de
atualizar o programa e a estratégia democrático-popular e socialista que
o PT elaborou nos anos 80. Até porque, o sucesso relativo de nossa ação
governamental está recolocando os dilemas estratégicos que o Brasil
viveu naquela época. Evidentemente, um quarto desafio é a reeleição para
a presidência em 2014, ampliar nossa presença nos governos estaduais e
nos parlamentos.
PG13 – Neste ano, além das comemorações dos 33 anos do PT, o partido
realiza o Processo de Eleições Diretas. Qual é a importância do PED?
Valter Pomar – Depende. Se o regulamento do PED for respeitado, ou seja,
se houver debate, democracia interna e, principalmente, se pararmos de
importar para dentro da nossa vida interna práticas oriundas das
eleições tradicionais, se tudo isto for feito, o PED pode ser muito
importante para formular uma nova estratégia para o PT enfrentar a nova
situação política, nacional e regional e mundial. Resumidamente: em
parte por causa dos efeitos da crise, em parte porque a burguesia não
gosta da combinação de salários altos e desemprego baixo, está ocorrendo
uma mudança na postura do grande capital frente ao governo federal
encabeçado pelo PT. Ou seja, estão deixando de existir aquelas condições
excepcionais que permitiram a um governo de centro-esquerda, liderado
por Lula, melhorar a vida dos pobres e garantir grandes lucros aos
ricos. O PED é o momento de debater esta nova situação e de decidir que
caminho seguir. Claro que haverá os que defendem que o caminho a seguir é
fazer concessões ao capital, via concessões, desonerações, subsídios e
flexibilizações na legislação trabalhista e social. Confio, entretanto,
que a maioria do Partido vai optar por outro caminho: mais democracia,
reformas estruturais, fortalecer o mundo do trabalho, reafirmar nossos
compromissos socialistas.
PG13 – O que diria para o militante petista e para o simpatizante do
partido nos 33 anos do PT? Qual é hoje o principal inimigo e a principal
ameaça ao PT?
Valter Pomar – Se me pedem para escolher um, eu diria que o principal
inimigo é o monopólio da mídia. Hoje, as grandes empresas de comunicação
são o quartel-general da direita, dos conservadores. Não apenas do
antipetismo, mas anti-esquerda, anti-movimentos sociais,
anti-democracia. Agora, a principal ameaça que paira sobre nós é a
postura conivente, complacente, tímida, recuada, com que alguns setores
do PT e da esquerda em geral tratam este tema. O inimigo está na dele,
está fazendo o seu papel, que é o de nos desmoralizar para nos destruir.
O problema está em como atuamos frente a isto. Temos que construir os
nossos meios de comunicação próprios, temos que democratizar a verba
publicitária dos governos que dirigimos, temos que fazer cumprir as leis
(por exemplo, parlamentares não podem ser proprietários de concessões
públicas de rádio e TV) e temos que alterar a legislação que regula a
comunicação social.
PG13 – Mas o PT já está há dez anos no governo e, como você diz,
pouco avançamos na tão sonhada democratização da comunicação. Por quê?
Valter Pomar – Na minha opinião, prevaleceu no governo uma linha
incorreta, de conciliação com as grandes empresas de comunicação. O
problema de fundo é o seguinte: a saúde é um direito público, a educação
é um direito público, é dever do Estado garantir estes direitos,
podendo o setor privado ter um papel complementar, mas sob supervisão
pública. Pois bem: na comunicação deveria valer o mesmo critério. Mas na
prática segue prevalecendo o contrário: a informação e a comunicação
são controlados pelo setor monopolista privado, com quase nenhuma
supervisão pública, mas com amplo financiamento público via propaganda
governamental. Nós temos os recursos humanos e financeiros necessários
para ter uma comunicação pública de imensa qualidade, assim como para
ter uma comunicação privada democrática e plural; falta vontade
política. E temos a obrigação de democratizar as verbas publicitárias,
muito mais do que aquilo que já foi feito.
PG13 – Quero insistir no assunto governo. Em 2013, o partido também
comemora os 10 anos do Governo Democrático e Popular. O PT conseguiu os
avanços a que se propôs enquanto governo e se manteve fiel à sua
plataforma?
Valter Pomar – Não foram dez anos de governo democrático-popular. Foram
dez anos de governo federal encabeçado pelo PT. Assim está, aliás, no
documento que convoca o Quinto Congresso petista. Infelizmente, na hora
de dar nome ao evento, acho que alguém ficou com medo de melindrar os
aliados com a história de encabeçado pelo PT; e como falar de governo de
centro-esquerda é meio frustrante, tacaram a expressão
democrático-popular. Sei que para alguns pode parecer uma firula
terminológica, mas não é: precisamos exatamente de um governo que faça
reformas estruturais no país, por exemplo, a tributária e a agrária, e o
nome que sempre demos a isto foi exatamente governo
democrático-popular. Feita esta ressalva, a resposta a tua pergunta é:
mais ou menos. A plataforma do PT não foi globalmente executada nestes
dez anos de governo. Em alguns casos, porque a correlação de forças
impediu; noutros casos, porque durante muitos anos prevaleceu no Partido
a tese de que é melhor um mal acordo do que uma boa briga. Apesar
disto, estes dez anos podem e devem ser comemorados: com todas as
limitações e contradições, trilhamos o caminho da superação do
neoliberalismo, melhoramos a vida do povo e incentivamos a integração
regional. Historicamente, não é pouca coisa. Mas, também historicamente,
não é o suficiente. A desigualdade continua brutal, a maioria do povo
ainda não tem acesso ao bem-estar social, a democracia política continua
refém das elites.
PG13 – Você é um dos dirigentes da Articulação de Esquerda, tendência
petista que este ano está comemorando 20 anos de fundação. De que forma
a AE colaborou para a construção do PT e no que continua a colaborar?
Valter Pomar – Nos anos 80, a tendência hegemônica no PT era a chamada
Articulação. Depois de 1989, houve um grande debate no Partido e nesta
tendência, sobre como atuar no contexto da ofensiva neoliberal e da
crise do socialismo. Este debate resultou, primeiro, numa guinada à
direita, que se tivesse prevalecido teria transformado o PT num partido
social-democrata. Num segundo momento, como reação, houve um giro à
esquerda: entre 1993 e 1995, uma precária maioria de esquerda controlou o
Diretório Nacional do PT. Num terceiro momento, a maioria de esquerda
foi desalojada: perdemos o 10º Encontro Nacional do PT por apenas 2
votos na tese guia e 16 votos na escolha do presidente do Partido.
Durante dez anos, entre 1995 e 2005, a esquerda partidária cumpriu um
papel de resistência, oscilando entre 45% e 30% do Diretório Nacional. A
Articulação de Esquerda vertebrou, ao lado de tendências como a
Democracia Socialista e a Força Socialista, esta resistência. Certamente
cometemos muitos erros, mas olhando para trás acho que cumprimos um
papel importante para o PT: sem nós, sem a pressão que exercíamos, a
maioria moderada do PT poderia ter levado o Partido para um caminho de
desacumulação de forças. Dou como exemplos disto: a tentativa de fazer o
PT participar da revisão constitucional, que poderia ter nos custado
algumas estatais; a tentativa de aprovar o parlamentarismo, que
inviabilizaria de fato o governo Lula; a tentativa de lançar outro
candidato presidencial, que não Lula, em 1998; e as ridículas tentativas
de tratar o PSDB como nosso aliado, tentativas que até recentemente
causaram desastres, como em Belo Horizonte.
PG13 – Qual é o principal legado da AE e desafios daqui para frente?
Valter Pomar – Acho que nosso principal legado foi o que ajudamos a
fazer em 2005. Naquele ano, a direita se empenhou a fundo em destruir o
PT. Aproveitou-se, para isto, de erros cometidos por setores do próprio
Partido. E, frente ao ataque da direita, outros setores do Partido se
acovardaram ou ficaram em tamanha defensiva que não conseguiam, nem
mesmo, dizer um único motivo para acreditar, defender e votar no PT. Nós
da Articulação de Esquerda, igual a outros setores do petismo, não
titubeamos em defender o PT e acho que cumprimos ali um papel muito
importante. Embora, é preciso dizer, o papel fundamental tenha sido
cumprido pelo petista anônimo, aquela montanha de gente que não apenas
foi votar no PED de 2005, mas defendeu o PT na rua.
PG13 – A AE terá candidato no PED. Quem será? Qual a plataforma da corrente para o PT?
Valter Pomar – Teremos candidato, que pode ser alguém da própria
Articulação de Esquerda, neste caso provavelmente eu mesmo, assim como
pode ser alguém integrante de outro setor, desde que óbvio tenha
identidade programática com aquilo que defendemos. Nossa plataforma
estará disponível em março, no endereço www.pagina13.org.br Seu
componente central é: uma nova estratégia para um novo período.
Basicamente, defendemos que é preciso passar da ênfase na superação do
neoliberalismo, para a ênfase nas reformas estruturais. E que para isto é
preciso outro tipo de comportamento partidário: mais mobilização, mais
organização de base, mais formação, mais comunicação, mais defesa do
projeto socialista. Um partido também para os anos ímpares, como creio
já ter dito antes.
PG13 – Qual é a sua avaliação sobre a crise de 2005 e a AP 470?
Valter Pomar – A crise de 2005 tem duas facetas: por um lado, o ataque
hipócrita da direita, que tentou transformar um caso de caixa 2 numa
crise constitucional e no supostamente maior escândalo de corrupção na
história do país; por outro lado, os erros de importantes dirigentes,
que se terceirizaram parte das finanças partidárias para um criminoso
tucano chamado Marcos Valério. Como a direita não conseguiu nos destruir
em 2005, nem conseguiu nos derrotar em 2006 e 2010, abriu-se para eles o
caminho da judicialização da política em geral, e para esta estratégia o
caso de 2005 caia como uma luva. Por isto sempre afirmei que o processo
no Supremo Tribunal Federal resultaria em condenações. Curiosamente,
alguns dos condenados achavam o contrário. A mesma ilusão de classe que
os levou a promiscuidade com Marcos Valério, os levou a acreditar no
suposto caráter técnico da corte suprema. Claro que para fazer as
condenações, foi necessário criar uma nova jurisprudência. Aos inimigos,
nem mesmo a lei…
PG13 – O que você pensa sobre os atos que são organizados Brasil afora pelo companheiro José Dirceu?
Valter Pomar – Eu penso que ele está no direito dele se defender, até
porque sua condenação foi sem provas. Mas se eu fosse ele, agiria
totalmente diferente. Primeiro, pelo papel que ele jogou na construção
do PT e na direção do Partido durante a primeira fase do governo Lula,
acho que ele tem a obrigação de apresentar um balanço crítico e
autocrítico de sua atuação. Em segundo lugar, acho que ele deveria
acompanhar as deliberações do Diretório Nacional do PT acerca do
assunto, que evitam cair na armadilha montada pela direita, que pretende
transformar as condenações de alguns filiados em condenação de todo o
Partido. Na minha opinião, Dirceu não percebe que a tarefa de defender o
PT não deve ser confundida com a tarefa de defender os condenados pelo
STF. Em terceiro lugar e mais importante, eu teria enfrentado este tema
ainda em 2005, assumindo a responsabilidade política pelos erros
cometidos. Se tivéssemos feito isto, estaríamos todos nós, ele
inclusive, em melhor condição, agora.
PG13 – Então você acha que estes atos não ajudam ao Partido?
Valter Pomar – Como disse, acho que o Dirceu tem o direito de se
defender. E acho que os militantes que se sentem solidários a ele, podem
e devem participar. Mas na minha opinião política, estes atos não
ajudam o Partido, não ajudam o governo e não ajudam os condenados. O PT
deve continuar denunciando os atropelos cometidos pelo STF, deve
continuar prestando solidariedade aos condenados, sem que isto implique
em deixar de reconhecer os graves erros que foram cometidos. Mas a
defesa do PT passa pela ação do Partido em torno dos grandes temas da
pauta nacional. Quem quer e precisa colocar este tema no centro da pauta
é a direita, não nós.
PG13 – Qual é a posição da AE a respeito da reforma agrária? Qual é a
avaliação da corrente sobre a atuação do governo nesta área?
Valter Pomar – Somos totalmente a favor da reforma agrária. Tanto antes,
quanto agora. Seja para combater a inflação, seja por segurança
alimentar, seja para democratizar a propriedade e o poder, a reforma
agrária é fundamental. O desempenho dos nossos governos, nesta área da
reforma agrária estritamente falando, é medíocre. O correto seria que a
reforma agrária tivesse a mesma importância e a mesma qualidade que a
política agrícola, o apoio aos assentados e aos pequenos produtores.
PG13 – Financiamento Público de campanha é fundamental para que?
Valter Pomar – Para que haja democracia. Hoje, a eleição é deformada
pelo poder do dinheiro. Não há democracia que resista a isto. E, como a
grana chama grana, o investimento das empresas na democracia gera leis e
governos em favor das empresas doadoras, gerando também corrupção. A
corrupção é um efeito colateral inevitável do financiamento privado
empresarial das campanhas eleitorais.
PG13 – Qual é a pauta prioritária para o PT no próximo período? Na sua avaliação em que devemos centrar nossas lutas?
Valter Pomar – Politicamente falando? Reforma política e democratização
da comunicação. O PT tem que aproveitar este ano, aproveitar o PED,
aproveitar seu Congresso, para debater com a sociedade brasileira sobre
os grandes temas de nosso país, sobre o balanço de nossos governos,
sobre os desafios futuros e sobre os grandes obstáculos políticos a este
futuro, hoje: a influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e
a deformação informativa e comunicacional imposta pelos monopólios da
mídia.
PG13 – E com a classe trabalhadora qual deve ser a nossa relação?
Valter Pomar – O PT continua sendo o Partido preferido pela maior parte
dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. E também somos o partido
preferido da maior parte dos militantes sociais. O problema é que a
pauta da mobilização social, no sentido amplo da palavra, não apenas
reivindicativo, não ocupa um lugar central na agenda das direções
partidárias. Ao lado deste problema, que vem dos anos 1990, há um
problema novo: o surgimento de uma nova classe trabalhadora,
geracionalmente e sociologicamente, isto que alguns chamam indevidamente
de nova classe média. O PT precisa buscar este setor, organizá-lo,
mobilizá-lo, impedir que a direita o hegemonize. Em especial a
juventude, com destaque para a juventude trabalhadora, que tem que ser
reconquistada pelo PT. E para isto precisamos de uma conduta muito
forte, que vai desde o funcionamento e postura do PT e da Juventude
Petista, passando por fortalecer nosso agir cultural, as politicas de
governo etc.
PG13 – E com os países da América Latina, da Europa que encontra-se em crise e EUA?
Valter Pomar – O PT tem uma política internacional bastante ativa, mas
os recursos humanos e materiais disponíveis são ínfimos perante a
imensidão da tarefa. Na secretaria de relações internacionais do PT
temos, contando dirigentes e funcionários, sete pessoas. Quando contamos
isto para os chineses ou para os franceses, eles não conseguem
acreditar: seus departamentos de relações internacionais contam com mais
gente. Se o PT quiser ampliar sua influência internacional, precisamos
conhecer mais, elaborar mais, difundir mais o que fazemos e ter presença
física mais intensa em todo o mundo. Não são tarefas difíceis em si,
apenas exigem recursos, empenho e paciência para formar novos quadros.
Felizmente, embora o PT estrito senso tenha pouca gente envolvida, o
petismo no sentido amplo da palavra é muito presente na vida
internacional, através dos nossos quadros que atuam na área, seja em
movimentos sociais, ONGs, nas universidades e centros de pesquisa,
governos e parlamentos. Este petismo internacionalista é fundamental
para o PT e muitas vezes é o que suplemente a debilidade do aparato
partidário.
PG13 – O que é ser socialista e defender o PT?
Valter Pomar – É fazer o que fazemos. Claro que quando eu vou a algumas
atividades, onde a mesa de debate é composta apenas por organizações de
ultra-esquerda, uma mais radical que a outra, é difícil. Mas quando eu
lembro que o Brasil real é completamente diferente da composição daquela
mesa de debate, quando eu lembro que a esquerda brasileira detém apenas
30% do parlamento nacional, quando eu lembro o ódio que a burguesia, a
direita e o PIG têm contra o PT, quando eu penso no papel que o PT e o
governo brasileiro jogam no mundo, quando eu penso no quanto melhorou a
vida do povo nesses dez anos, aí eu acho que defender o PT é uma das
coisas mais fáceis e necessárias.
De maneira similar, quando vou a reuniões dominadas por gente acrítica e
burocratizada, que acham que está tudo 100% bem, que tem como horizonte
máximo administrar, fica difícil. Mas basta mudar de ambiente, para ver
que há dezenas ou centenas de milhares de petistas que não querem
apenas governar, querem transformar o país e o mundo. Que não aceitam o
neoliberalismo e o capitalismo como horizontes intransponíveis. E que
não entraram no PT para fazer carreira, para ter cargos, mas sim para
organizar e potencializar sua militância. Nestas horas, eu continuo
achando válida uma opinião que eu tinha nos anos 80, ou seja, que o
petismo pode ser o socialismo adequado às condições brasileiras. A
conferir, pois esta história ainda está sendo escrita.
Fonte: ARTesquerda
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