No fim da tarde do dia 30 de janeiro, liguei para o Dr. Jones Oliveira de Moraes. Ele havia deixado um comentário no post que eu escrevera no domingo sobre a tragédia de Santa Maria, contando que havia atendido as vitimas do incêndio. Nós entramos em contato com ele para fazer uma entrevista. Durante a conversa, ele tinha tanto a dizer, que mal pude interferir. Foi um desabafo de alguém que viu muito de perto tantas pessoas que estiveram a um passo da morte. Acabei optando por juntar as partes e transformar a entrevista num relato. Espero que este texto seja mais um pequeno foco de luz neste episódio. |
Drº Jones Oliveira de Moraes conta como foi cuidar dos sobreviventes da tragédia de Santa Maria.
Foi uma noite normal para mim, de sábado para domingo. Queria acordar
cedo pois teria muito a fazer no dia seguinte. Acordei às 7 horas da
manhã.
Ao sair do quarto, vi meu filho com os olhos arregalados. Felipe, 20,
é estudante de direito e estivera na Kiss na noite de sexta. Contou-me
que levara dez minutos para sair de lá às 2 da manhã, sóbrio, sem
tumulto e com a vista boa.
Mas hoje seu semblante era de susto. Estava sentado no computador e
me disse: “Pai… a Kiss pegou fogo e um monte de gente morreu”. Eu sabia
que ele jamais brincaria com isso, mas mesmo assim fui impelido a
perguntar retoricamente se ele estava brincando.
A partir deste momento, apenas coloquei as lentes e segui para o
hospital. Sou residente de cardiologia na UTI de dois deles, o Hospital
Universitário, ligado à UFSM, e o Hospital de Caridade Astrogildo de
Azevedo, o maior e mais antigo da cidade. Este último é mais próximo da
minha casa, e eu estava ansioso para ver a situação que se criara, por
isso optei por ir a ele.
O hospital estava caótico. Havia gente no chão, e a primeira coisa
que me passou pela cabeça foi: “Nós precisamos levar estas pessoas para
algum lugar onde possamos improvisar uma UTI”. Após uma breve conversa
com os colegas, decidimos utilizar a Unidade de Apoio que o hospital
tem. Foi para lá que nós levamos os pacientes em estado mais grave.
A maioria deles sofria de asfixia e intoxicação pela fumaça. Pouca
gente estava queimada de fato. O tratamento inicial, neste caso, é
oxigênio – ele expulsa o monóxido de carbono. Conforme conseguíamos
transporte e condições adequadas, enviávamos alguns pacientes para Porto
Alegre.
No meio de toda a tristeza que nos rodeava, duas coisas me deixaram
satisfeito: primeiro, o senso cívico do corpo médico, da enfermagem e da
equipe do hospital. Os que estavam de folga foram trabalhar, os que
fizeram plantão na madrugada seguiram trabalhando. Qualquer coisa que se
precisasse, havia três pessoas dispostas a buscar.
Outra foi o apoio da Força Aérea. Nós não tínhamos equipamento
suficiente para ventilação mecânica – em certo momento, havia 50 pessoas
precisando do aparelho – eles trouxeram de Porto Alegre o suficiente
para atender a todos.
O hospital não perdeu nenhum paciente. Ao voltar para casa, depois de
12 horas de trabalho intenso, tanto mental quanto físico, me senti
satisfeito de alguma forma. Tive a impressão que ajudei, que fiz meu
melhor.
No dia seguinte, notei que estava apenas anestesiado pela intensidade
do momento. Eu estava muito triste. Perdi duas amigas – Marina, uma
estudante que trabalhou aqui na clinica, e Daniele, uma médica que havia
se mudado de Santa Maria e que, por ironia, passava o fim de semana na
cidade com o namorado.
Tenho duas amigas sobreviventes também. Luane está sendo encaminhada
para ter ajuda psicológica e psiquiátrica; Janaína ainda está sob
ventilação mecânica, internada no hospital em que trabalho – mas não
cuido dela pela ligação pessoal.
A cidade de Santa Maria inteira está tomada por uma espécie de
ressaca que a tragédia trouxe. É uma cidade pequena e todo mundo
conhecia alguém que foi vítima do incêndio. Até um viaduto, chamado
Garganta do Diabo, onde às vezes acontecem suicídios, foi interditado.
No meio da tristeza, paira no ar uma busca por justiça. Na minha
visão, há muitos culpados – o projeto da casa, a ganância do
proprietário, os seguranças sem treinamento, a falta de uma brigada de
incêndio, a burrice da banda, e, claro, o poder público que permitiu o
funcionamento da Kiss.
Meu filho poderia ter estado lá no dia da tragédia. Procuro não
pensar nisso, porque as fatalidades podem estar em qualquer lugar.
Ontem, atendi uma mãe que perdeu a filha. É uma velha paciente cardíaca.
Ela disse: “Sei que preciso continuar com a minha vida, mas não sei
como”. Nós choramos juntos.
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