A presidenta pela primeira vez elevou o tom ao se referir, indiretamente, à mídia nacional
Estaria a paciência de Dilma chegando ao fim?
É a principal questão que emerge depois de seu pronunciamento hoje, mais incisivo e mais enfático do que o habitual.
Dilma se dirigiu, inicialmente, a todos os brasileiros para anunciar
que, a partir de agora, as contas de luz vão ficar 18% mais baratas.
Mas depois falou diretamente, sem citá-la, à mídia. “Aqueles que estão
sempre do contra vão ficando para trás”, disse ela.
Entre os governos de esquerda ou de centro esquerda da América do
Sul, o brasileiro adotou sempre, primeiro com Lula e depois com Dilma,
uma posição conciliatória perante adversários bem pouco cavalheirescos.
Pense em você. Se você grita numa discussão e seu oponente silencia,
você tende a achar que ele está acuado, intimidado. E na maior parte das
vezes você está certo. Então, você grita ainda mais, na crença de que
assim vai vencer o confronto.
É mais ou menos o que vem ocorrendo no Brasil.
Em outros países, o cenário é diferente. Chávez, na Venezuela,
respondeu sempre no mesmo tom a todos os ataques recebidos dos
conservadores interessados em desestabilizá-lo e desmoralizá-lo.
A tevê de Gustavo Cisneros, o Roberto Marinho venezuelano, tratou os
seguidores de Chávez de “macacos”. Mas Chávez chamou Cisneros de
“mafioso”. Cisneros acabou baixando o tom, posteriormente. Em outro
caso, Chávez não renovou a concessão de um barão que tramara sua
derrubada num golpe que durou dois dias.
Na Argentina, Cristina Kirchner está em guerra aberta contra o
Clárin, um grupo que floresceu, como a Globo, na ditadura militar e
acabou se tornando virtualmente monopolista.
É previsível, hoje, que Kirchner vença o duelo – e isso significaria
um Clárin bem menor do que é hoje, e moralmente derrubado. Poucos
argentinos lamentarão.
No Equador, Rafael Correa se bate também francamente com os barões da
mídia. A mídia equatoriana está quase toda na mão de grandes bancos, o
que significa que a imprensa “livre” para bater em Correa não é nada
livre para investigar o mercado financeiro.
O Brasil destoou dos vizinhos. Um dos maiores símbolos disso foi o
comparecimento de Lula ao enterro de Roberto Marinho, a quem dedicou
elogios absurdamente descabidos, vista a folha corrida de nosso
companheiro jornalista das Organizações Globo.
Dilma ergueu a voz hoje, ainda que ligeiramente.
É uma nova fase? Aguardemos. A tática conciliatória deu no que deu.
Passados dez anos, os resultados estão claros. Basta ver, na mídia, o
crescimento avassalador do número de colunistas dedicados a dar pauladas
todos os dias no governo. São os escaravelhos de que falou Boff, e são
ubíquos e blindados. Podem cometer erros horrorosos que nada acontece:
Merval enterrou Chávez há muito tempo, Mainardi anunciou Serra na
presidência um ano antes das eleições de 2006, Kamel provou no
JN que o atentado da bolinha de papel não era o atentado da bolinha de
papel: os escaravelhos são o último reduto da impunidade. Não são
cobrados sequer pelo fracasso em convencer os leitores a votar de outra
forma.
Os dois governos petistas cometeram vários erros, e este Diário já
falou disso muitas vezes. Mas o que a grande mídia vem fazendo
extrapolou há muito os limites do jornalismo sério.
Não se trata de defender o governo e sim de proteger a dignidade no jogo político.
Para ver “jornalismo crítico” genuíno o brasileiro tem que ler
jornais como o NY Times ou o Guardian: eles fiscalizam os governos,
cobram, podem ser duros – mas você jamais verá neles qualquer coisa
parecida com o que acontece no Brasil. A decência foi transposta faz
muito tempo.
O que está por trás da campanha? O retorno a dias em que o BNDES dava
empréstimos a amigos em condições privilegiadas, em que o Banco do
Brasil trocava dívidas por anúncios – em que o Estado, em suma, era babá
do chamado 1%.
Imagine a França em 1789. As empresas de mídia brasileiras estão hoje
no papel da nobreza francesa de então, na defesa feroz de vantagens
indefensáveis. É um grupo de empresas que louva a competição mas se
agarra, feudalisticamente, a práticas anticapitalistas como a reserva de
mercado para elas mesmas.
Dilma se cansou de apanhar calada?
Na Roma antiga, Cícero, cansado das tramas de Catilina, perguntou a ele: ‘Até quando você vai abusar da nossa paciência?”
Dilma pareceu a pique de dizer isso.
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