Nosso colunista mostra o acúmulo de erros com base em 13 anos tocando em bares
Antes de começar, deixo meus sinceros sentimentos a amigos e
familiares das vítimas do acidente ocorrido na casa noturna Kiss na
madrugada de sábado para domingo. Desde que acordei, ouvi muito sobre
isso, e acho que posso contribuir com algumas informações adquiridas em
13 anos de experiência tocando em bares e casas noturnas.
O ocorrido impressionou muita gente, mas não a mim. Chocou, claro,
ver o sofrimento das pessoas. Nunca imaginei um acidente dessa
magnitude. Mas conforme ouvia certas informações, pensava comigo: “É …
não dava para esperar nada melhor mesmo”.
A primeira coisa que causou estranheza em quem não conhece este
universo é que os seguranças tentaram manter os convidados dentro da
casa para pagar suas comandas. Segundo Taís, uma sobrevivente
entrevistada pelo SBT, os seguranças encaminharam as pessoas para a fila
de pagamento mesmo após o acidente; um deles teria dito que o fogo
estava sob controle – isto é, ele estava ciente do ocorrido.
Em geral, seguranças são freelancers. Ganham entre R$ 50 e 100 reais
por noite. Não recebem nenhuma instrução que não seja “evite brigas e
não deixe ninguém ir embora sem pagar”. Não é sempre, é bom lembrar, mas
é o mais comum.
A casa também não tinha alvará, e isto também tem sido muito
noticiado. Aqui, chegamos a um problema mais complexo. Primeiro, o
alvará de funcionamento não tem objetivo de dar segurança a ninguém. É
uma taxa como tantas outras, um caça níquel das prefeituras. Eu, que
jamais fui dono de bar, não conheço valores, mas já ouvi dezenas de
pessoas afirmando que é abusiva.
Quando os dificultadores entram em cena, abrem espaço para corrupção.
Conseguir licença para abrir uma casa noturna é algo tão
intencionalmente complicado e burocrático que acaba corrompendo grande
parte dos empresários. Com isso suas casas ficam sem alvarás. Sem
alvará, a policia recebe suborno. Com suborno, não há controle – quem
pode dizer que havia saídas de emergência suficientes se a checagem está
sendo feita através de dinheiro?
Tenho visto gente falando da espuma acústica também. As de alto nível
são auto-extinguíveis. Eu já vi demonstrações – a espuma pega fogo e
encolhe, não espalha. A cola, hoje, também não é mais tóxica
necessariamente. A Cascola fabrica um produto sem tuluol, componente
mais tóxico da composição.
O problema é que muitas vezes se usa material de baixa qualidade. Aí o
ciclo é o mesmo. Mercado pobre, prefeitura abusiva, policia corrupta, e
o empresário opta por economizar em segurança. Às vezes me parece o
Titanic, em escala menor. Lembra a cena do dono dizendo que não
precisava de mais botes salva-vidas porque o barco era inafundável?
Soluções para o mercado da noite existem aos montes. A mais urgente,
na minha visão, é proibir o uso das comandas. Na maioria dos países
desenvolvidos, paga-se no momento do consumo. Aqui, a alegação é que é
para não aumentar as filas no bar. Não é verdade. Comandas são
utilizadas porque com elas consome-se mais. Se você paga por cada
Coca-Cola, vê o dinheiro saindo; se o consumo é anotado num sistema,
muitas vezes nem sabe o preço que está pagando. Só nota no fim da noite.
Agora, veja que isto, sozinho, poderia ter evitado grande parte
daquelas mortes.
Mas esta seria uma medida paliativa. É preciso mudar essa cultura, e o
começo disso está no Estado – quando as prefeituras derem o bom
exemplo, deixando de abusar dos empresários, quem sabe os empresários
sejam capazes de instruir melhor seus funcionários. Taxas e multas têm
que ser equivalentes ao tamanho do estabelecimento. Dessa forma, você
cobra algo possível de ser pago, e não um valor que só vai fomentar a
corrupção.
Com tudo isso, não estou de forma nenhuma eximindo os culpados. Os
seguranças que foram desumanos e indecentes são culpados. Assim como os
donos da casa. Mas a policia também é. E a prefeitura também.
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