Ele se dá ares martirizados de dissidente soviético, quando tem vida mansa de aposentado escandinavo
O
MUNDO DE JABOR, a julgar pelos seus textos, é sombrio. Nele, o Brasil
“está evoluindo em marcha à ré”, para usar uma expressão de uma coluna.
“Só nos resta a humilhante esperança de que a democracia prevaleça”, já escreveu ele.
Bem, vamos aos fatos. Primeiro, e acima de tudo, se não vivêssemos
numa democracia plena os artigos de Jabor não seriam publicados e ele
não teria vida tão tranquila para fazer palestras tão bem remuneradas
em que expõe às pessoas seu universo gótico, em que brasileiros
incríveis como ele devem se preparar para a guerra caso queiram a paz.
Esta é outra expressão de um texto dele.
Comprar armas? Estocar comida? Construir um abrigo antibombas? Fazer
um curso de guerrilha? Pedir subsídios para a CIA? Talvez um dia Jabor
explique o que é se preparar para a guerra.
Quando sua mente viaja para fora é o mesmo apocalipse. Dias atrás,
Jabor falou na tevê uma quantidade extraordinária de disparates sobre o
caso Chávez. Se entendi, ele atribuiu a Chávez a existência de tanta
pobreza na Venezuela. Jabor parecia exaltado, mas não de forma genuína.
Era como se interpretasse um papel daquele velho tio do interior que ao
chegar para uma visita se põe a falar interminavelmente sobre o iminente
risco de bolchevização do Brasil e do mundo, e que você só acalma se
colocar discretamente um frontal em seu uísque.
Pobres ouvintes.
Já escrevi muitas vezes que o Brasil sob Lula perdeu uma oportunidade
de crescer a taxas chinesas. Já escrevi também que os avanços sociais
nestes dez anos de PT, embora relevantes e inegáveis, poderiam e
deveriam ter sido maiores. Mas somos hoje um país respeitado
globalmente. Passamos muito bem pela crise financeira global que
transtornou tantos países e deixou bancos enormes de joelhos.
Temos problemas para resolver? Claro. Corrupção é um deles? Sem
dúvida. Mas entendamos: a rigor, onde existe política, a possibilidade
de corrupção é enorme. No Brasil. Na China. Na França. Nos Estados
Unidos. Na Inglaterra. Na Itália. Em todo lugar. Citei estes países
apenas porque, recentemente, grandes escândalos sacudiram seu mundo
político. Na admirada França, o ex-presidente Sarkozy é suspeito de ter
recebido dinheiro irregularmente da dona da L’Oreal.
O problema na corrupção política é a falta de punição. Não me parece
que seja o caso do Brasil. Antes, sim. No ditadura militar, a corrupção
era muito menos falada, vigiada e punida.
O maior cuidado hoje é saber se não se está explorando o “mar de
lama” da corrupção com finalidades cínicas e inconfessáveis, como
aconteceu em 1954 e em 1964. O moralismo exacerbado costuma esconder
vícios secretos.
A choradeira melodramática de Jabor não ajuda a causa que ele
defende. Jabor representa a direita política. Para persuadir as pessoas
de que suas idéias são corretas, são necessários argumentos melhores do
que os que ele apresenta.
O primeiro ponto é que muito pouca gente acredita que o Brasil
descrito por Jabor é o Brasil de verdade. Basta tirar os olhos de sua
coluna e colocá-los na rua. A realidade é diferente. Há sol onde na
prosa jaboriana parece só existir treva. Jabor se dá ares de dissidente
cubano quando tem padrão de vida — e de liberdade — escandinavo.
Jabor parece estar preparado não para a guerra, mas para permanecer
no papel enfadonho e ranzinza de mártir, de vítima impotente de um país
que, se fosse tão ruim assim, ele já teria trocado por outro, como fez
Paulo Francis. Esse papel pode ser bom para palestras. Segundo um site
que agencia palestras, “o palestrante Arnaldo Jabor mostra-se
extremamente habilidoso ao aliar citações eruditas a uma visão crítica
da realidade brasileira”.
Mas a choradeira não é boa sequer para a própria causa que ele
defende — uma economia à Ronald Reagan em que o mercado não tenha freios
ou limitações. Para erguer esse universo, são necessários argumentos
inteligentes — e não pragas como as usuais. “Malditos sejais, ó
mentirosos e embusteiros! Que a peste negra vos cubra de feridas, que
vossas línguas mentirosas se transformem em cobras peçonhentas que se
enrosquem em vossos pescoços, e vos devorem a alma.”
Tenho a sensação de que os editores de Jabor no Estado e no Globo não
conversam com ele sobre o que ele vai escrever. Acho que deveriam. Às
vezes um simples “calma, está tudo bem” resolve. Uma conversa prévia
seria útil para Jabor, a causa, o leitor e o debate.
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