De onde vem o dinheiro para uma vida de relógios de luxo, iates e palácios?
Em 2011, cercado pela imprensa, Vladimir Putin emergiu das águas
turvas do mar Negro segurando antigos tesouros enterrados. A descoberta
mais tarde acabou se revelando um golpe de relações públicas. Ele não
tinha encontrado os artefatos. Putin foi mais uma vez visto com o peito
nu, mestre de judô, tigre pacificador, líder intocável da Rússia.
Mas foi outra de suas notórias tacadas de relações públicas – um
relógio de 5 500 dólares presenteado a um menino camponês -, o que levou
algumas pessoas a questionarem se Putin não tem seu próprio tesouro
enterrado.
Como pode um político com um salário anual de cerca de 140 mil
dólares viver uma vida cheia de relógios de luxo, iates e palácios?
Nós decidimos investigar e produzir um documentário para a Al
Jazeera. Viajamos de Moscou a São Petersburgo para investigar as origens
da riqueza de Putin.
Em 6 de março, Putin foi eleito presidente da Rússia mais uma vez.
Ele recuperou o mandato que tinha abandonado em 2008, quando renunciou
por causa das regras que proíbem mais de dois mandatos consecutivos,
tornando-se primeiro-ministro.
Quando apresentou sua candidatura, Putin foi obrigado a declarar seu patrimônio. Parecia modesto para um líder mundial.
Segundo a Comissão Eleitoral Central Russa, Putin tem 179 612 dólares
no banco e ganhou cerca de meio milhão de dólares nos últimos quatro
anos. Sua mulher Lyudmila tem 261 541 dólares em quatro contas
bancárias.
Os bens declarados de Putin também são bastante espartanos. Ele
afirmou ter uma sociedade de um estacionamento público, apartamentos em
Moscou e São Petersburgo, e um terreno de 1 500 metros quadrados nos
arredores de Moscou.
Mas há uma desconfiança crescente de que Putin não declarou todos os seus bens materiais.
Um dos motivos para tal preocupação é que, apesar de sua renda
modesta, Putin mostrou gosto pelas coisas boas da vida. Ele raramente é
visto sem um relógio de luxo e foi fotografada várias vezes usando
marcas caras, incluindo um Patek Philippe de 70 mil dólares e um Breguet
Marine de 15 mil.
Não que o líder russo não seja caridoso: ele também foi visto dando
relógios Blancpain de 11 000 dólares. O primeiro foi para o menino
pastor e o segundo, de um modo um pouco mais relutante, a um metalúrgico
que descaradamente pediu-lhe uma lembrança. Ambos os casos apareceram
na mídia.
No total, Putin foi visto com 160 mil dólares no pulso. Um feito
notável para um homem que ganha, antes de descontados os impostos, 80
mil.
É algo que chamou a atenção de outros jornalistas. Luke Harding fez
matérias para o jornal The Guardian sobre a riqueza de Putin durante
anos e foi banido da Rússia. Ele disse que “é improvável que [Putin] –
ou qualquer membro do governo – tivesse itens deste valor sem qualquer
tipo de renda complementar”.
Perguntamos ao Kremlin sobre os relógios. São dele ou de propriedade do Estado? Eles se recusaram a nos dizer.
Mas relógios de luxo são discretos em comparação com iates e palácios.
Como presidente, Putin tem acesso ao iate presidencial, Chakya.
Comprado no mandato de Medvedev, o iate de luxo custa 26 milhões de
dólares. Tem seis cabines de luxo, adega, jacuzzi, churrasqueira e
outras mordomias.
O iate foi adquirido com fundos presidenciais. No entanto, uma outra
compra extravagante, que alguns associam à riqueza pessoal de Putin, é
uma mansão com vista para o Mar Negro.
O palácio, vendido recentemente por 350 milhões, foi supostamente construído como uma casa de férias para o presidente russo.
Fotos que vazaram do Palácio mostram um interior ricamente decorado,
motivos ornamentais, portões encimados por uma águia de duas cabeças e
um elevador até a praia.
A segurança em torno do palácio é feita arames de alta tensão
farpados e cães de guarda mantiveam nossos repórteres à distância. Putin
nega qualquer ligação com o palácio e o atual proprietário Alexander
Ponomarenko diz que é uma “casa de praia”.
No entanto, um morador admitiu ver Putin freqüentar a área e, quando
ativistas ambientais invadiram o terreno em 2011, protestando contra a
construção em área protegida, eles foram recebidos por guardas do
Serviço Federal de Proteção.
Sergei Kolesnikov, um empresário russo e ex-associado de Putin,
afirma que o palácio foi construído para Putin através de uma teia de
operações com ações anônimas.
Mas não são apenas relógios, iates e palácios. Para muitos, a
declaração de Putin de riqueza modesta simplesmente não faz sentido.
Stanislav Belkovsky, analista político e crítico de Putin, é um dos
mais francos. Ele afirma que Putin pode valer até 70 bilhões de dólres, o
que faria dele o homem mais rico do mundo.
Esta soma extraordinária é baseada em alegações de que Putin possui
ações em três empresas de petróleo e gás: 4,5% do gigante nacional de
gás Gazprom, 37% das empresas fornecedoras de petróleo. É também um dos
principais acionistas de uma empresa que não pode ser nomeada por razões
legais, que nega energicamente qualquer relação com Putin.
“O valor de 40 bilhões surgiu em 2007. Esse número poderia agora ter mudado para cerca de 60 ou 70 bilhões”, diz Belkovsky.
Sua estimativa é baseada em informações obtidas de fontes
confidenciais em torno das corporações, Belkovsky afirma. Mas ele não
está disposto a revelar mais do que isso.
A Gazprom é a maior extratora de gás no mundo e o governo russo a
controla com uma participação de 50,002 %. Apesar de repetir amplamente
as denúncias, Belkovsky nunca enfrentou ação judicial contestando-as.
Por toda a Rússia nos deparamos com outros repórteres que tentaram investigar Putin no passado.
No interior, perto de São Petersburgo, nos encontramos com Marina Salye.
Em 1992, Salye investigou um acordo que envolveu 100 milhões de
dólares na troca de matérias-primas por comida. De acordo com Salye,
Putin supervisionou o acordo, mas enquanto as matérias-primas foram
enviadas, o alimento prometido nunca chegou. Sua acusação, sustentada
até sua morte recente, foi a de que Putin se beneficiou deste negócio
incompleto. O Kremlin afirma que Putin nunca assinou o papel que o
autorizava, embora Salye tenha dito que possuía documentos contendo a
assinatura do presidente.
De volta a São Petersburgo, o tenente-coronel Andrei Zykov, um antigo
investigador sênior do Ministério do Interior russo, descreveu seu
trabalho como um olhar para o passado de Putin.
Em junho de 1999, quando Putin foi eleito para seu primeiro mandato
presidencial, Zykov foi encarregado do processo criminal número 144 128.
O caso envolveu uma empresa de construção chamada Twentieth Trust,
suspeita de ter tirado dinheiro do orçamento de São Petersburgo no
início de 1990. Zykov afirma que Putin teria sido beneficiado com uma
vila espanhola no negócio.
A investigação foi encerrada em razão de “prova insuficiente” e, de acordo com Zykov, ele foi demitido um ano e meio depois.
Pedimos ao Kremlin para responder as reclamações do deputado Zykov, sem sucesso.
Nos primeiros dias de seu primeiro mandato como presidente, Putin prometeu livrar a Rússia de suas oligarquias corruptas.
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