Sem o ativismo de Malcom X na luta contra o racismo Obama seria uma impossibilidade |
Malcom X
BARACK OBAMA não estaria onde está se não fosse por
um homem fisicamente parecido com ele. Um negro de tez clara, saído da
miséria e do crime para se transformar num líder carismático e depois
mártir do movimento negro americano nos anos 50 e 60.
Malcom X é o nome.
Malcom X
adotou o X como sobrenome porque assim achava que se livrava dos
resquícios da escravidão. Como sabemos, os filhos de escravos levavam o
sobrenome dos proprietários. Malcom X tinha uma limpidez de raciocínio e
uma eloquência extraordinária em qualquer circunstância, e ainda mais
para um autodidatata como ele. Os óculos traíam o homem que devorou
páginas e páginas de livros, para elevação do espírito mas com castigo
dos olhos.
Ele soube transformar a adversidade em chance, coisa de poucos. Foi
numa temporada de seis anos na prisão, mal saído da adolescência, que
ele mergulhou em leituras que lhe deram substância e visão. Preso, se
converteu ao islamismo, o que foi vital para deixar o crime. Conta-se
que foi influente na decisão de Cassius Clay de virar muçulmano e se
rebatizar como Muhammad Ali. Quando lhe foi feita essa pergunta, disse
que cada qual tem sua consciência, e ele não mandava na de ninguém,
menos ainda na de Muhammad Ali, seu “amigo e irmão”.
Aderiu à Nação Islâmica, um grupo propagador do orgulho negro, e se
decepcionou profundamente quando soube que o líder máximo, que deveria
ser um modelo de conduta, tivera filhos com várias secretárias. Com ele
os negros deixaram de ser chamados de niggers ou coloureds e
se transformaram em afroamericanos. “Quem disse para vocês odiarem a
cor de sua pele, o formato de seu nariz, a espessura de seus lábios?”
Era comum vê-lo dizendo coisas assim a platéias de negros com a intensidade épica daqueles que acreditam.
O que Michael Jackson fez com si próprio — cabelo, nariz, lábios, tom
de pele — é uma lembrança doída de quanto era necessária a pregação de
Malcom X.
Malcom X viveu num período particularmente turbulento dos Estados
Unidos, e sabia que poderia morrer a qualquer instante. Não se deteve,
não se recolheu. Foi assassinado em 1965 por extremistas do próprio
movimento negro. As balas o alcançaram diante da mulher e das seis
filhas pequenas quando ele pregava o orgulho negro, e não ódio, a uma
platéia tratada como gente de segunda classe.
Em seu funeral, o ator negro Ossie Davis pronunciou uma eulogia
magnífica, um último elogio ao “príncipe negro do Harlem”, um homem
“bravo e galante que jazia ali mas não fora derrotado”. “Aqui, neste
lugar calmo, o Harlem está reunido para dizer adeus a uma de suas mais
luminosas esperanças”, diz Davis numa cadência lenta, em que as palavras
se juntam umas às outras numa corrente de dor, reconhecimento e
gratidão. É a cena final do filme que Spike Lee dedicou a ele. Sem o martírio de Malcom X, Obama como presidente seria uma impossibilidade.
E talvez os negros americanos ainda usassem banheiros públicos separados.
Paulo Nogueira no DCM
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