Rebelião em curso no maior parceiro do governo;
sob a senha 'diálogo', comando do PMDB despeja carga sobre a presidente
Dilma Rousseff; após liderar derrubada do decreto de conselhos
populares, Henrique Alves assume pauta com votações de diversas emendas
orçamentárias de deputados; Renan Calheiros, no Senado, adianta que
conselhos também não serão aprovados na Casa; deputados se reúnem à
volta de Eduardo Cunha e candidatura dele para presidente da Câmara está
colocada; Dilma chama Alves ao Planalto; partido correu mais
rapidamente para emparedar governo do que esperava o PT; como antes da
reeleição, é Dilma quem volta a fazer sua própria articulação política;
ela vai conseguir amansar o PMDB?
247 – O PMDB correu primeiro – e, ao que se vê, já
está na oposição ao governo Dilma Rousseff. Ao menos a esse governo que
vai completando o primeiro mandato e inicia um processo de reforma
ministerial para a segunda gestão. Sob a senha do 'diálogo', que, em
tradução para o português claro, significa ter participação no
ministério que a presidente prometeu anunciar até dezembro, o PMDB já
age por cargos.
Foi por "falta de diálogo", na expressão do vice-líder do partido na
Câmara, Lúcio Vieira Lima, que a sigla impôs a primeira derrota ao
governo na arena parlamentar. Na terça-feira 28, aprovou-se a derrubada
do decreto presidencial que cria os conselhos populares. Hoje, após o
peemedebista Henrique Alves ter comandado a sessão na Câmara que arriou
uma bandeira vistosa da administração Dilma, o presidente do Senado,
Renan Calheiros, anunciou que já está empenhado em dar a mesma
destinação ao assunto quando chegar à Casa.
Entre esses dois atos, numa numerosa reunião, os deputados federais
do PMDB se uniram à volta do líder Eduardo Cunha para, na prática, impor
a candidatura dele à Presidência da Câmara. Em Brasília, ele já é visto
como favorito. Durante a eleição, ele integrou, discretamente, o
movimento Aezão, no Rio de Janeiro. Pouco antes do pleito, calculou que
pelo menos metade da bancada de 66 deputados eleita pelo partido
apoiaria um governo do adversário dela, Aécio Neves.
A legenda é a segunda maior da Câmara, atrás apenas do PT. O problema
é que, se já foi difícil para o partido do governo lidar com os
peemedebistas nos primeiros quatro anos de Dilma, agora vai ser mais
difícil ainda. Enquanto o PT viu sua bancada diminuir em 18 cadeiras, o
PMDB só perdeu cinco em relação à atual legislatura. Uma costura que una
PSDB e PSB à candidatura de Cunha poderá ser feita sem grandes
esforços.
Está tudo ajustado para que o governo perca, também no Senado, a
votação sobre os conselhos populares. Palavra de Renan Calheiros:
- Já havia um quadro de insatisfação com relação à aprovação dessa
matéria. Ela ser derrubada na Câmara não surpreendeu, analisou o
presidente do Senado, para prosseguir:
- Da mesma forma que não surpreenderá se ela for, e será, derrubada no Senado Federal, cravou o senador alagoano.
A presidente Dilma percebeu, é claro, o rumo cada vez mais oposto ao
seu que o partido do vice-presidente Michel Temer vai tomando. Assim
como nos últimos quatro anos, quando careceu de um grande articulador do
PT para entender-se com os indóceis peemedebistas, outra vez Dilma teve
de chamar esse trabalho para si. Na tarde desta quarta-feira 29, Alves,
que perdeu as eleições para o governo do Rio Grande do Norte, foi
recebido pela presidente no Palácio do Planalto.
- Tivemos uma conversa muito cordial, amável e respeitosa com a
presidente Dilma, disse ele, dentro do protocolo, para em seguida dar,
mais uma vez, seu recado:
- Eu diria a ela que ela faça o que prometeu fazer, ouvir muito,
adiantou-se o presidente da Câmara, que vem apontando na falta de apoio
do ex-presidente Lula a responsabilidade por sua derrota na eleição para
governador do Rio Grande do Norte.
- E, sobretudo, em relação ao Poder Legislativo, ouvir mais, porque essa é a Casa da ressonância da vontade popular.
O plano do PMDB de Alves e Cunha está traçado na Câmara. Serão
colocados em pauta projetos de emendas orçamentárias de diferentes
parlamentares, no que promete ser um show de benefícios com dinheiro do
Tesouro.
- Nada que represente irresponsabilidade ou ameaça ao equilíbrio
fiscal, completou Alves, dando indicações de que a mordida no Orçamento
vai ser grande.
O troco político que Alves e Cunha estão dando no PT é evidente. Para
o partido da presidente, o problema continua sendo a falta de um
negociador com poder delegado para apagar incêndios legislativos antes
que eles aconteçam. O segundo governo Dilma só começa em 1º de janeiro
de 2015, mas as primeiras labaredas já estão consumido as energias de
Dilma.
Abaixo, notícia da Agência Brasil a respeito:
Rejeição de decreto na Câmara é como 3º turno para oposição, dizem especialistas
Desde a publicação do decreto,
alguns setores do Congresso Nacional vêm se opondo à ampliação da
participação da sociedade civil na elaboração de políticas do Estado,
destacou o advogado Darci Frigo, coordenador da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos.
“Essa oposição se dá em função do entendimento bastante conservador
de que o decreto é uma ameaça à democracia representativa, que está
configurada através do voto. Mas a Constituição garante também a
democracia direta, em um processo como esse, que amplia a participação
da sociedade. Seria um avanço importante de qualificação da democracia,
mas o Congresso não quer dividir poder com a sociedade, e essa negativa
confronta com as mobilizações que ocorreram no Brasil em 2013, que
pediam essas mudanças”, disse Frigo.
Para o advogado, a participação popular não implica a existência de
conflito com os direitos parlamentares, mas sim complementa. “A
democracia representativa não faz o esforço para resolver os problemas
que a sociedade está vivendo. Isso sinaliza que, se a população não se
mobilizar, não ir às ruas de novo, a reforma política que está por vir
pode ser no sentido de retroceder e não atender aos anseios do povo”,
completou.
Frigo conta ainda que a Articulação Justiça e Direitos Humanos, da
qual a Terra de Direitos faz parte, solicitou audiência com o presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para discutir
meios que permitam à sociedade participar de forma mais ativa no
processo de construção da Justiça do país. Ele conta que o ministro
falou sobre a ampliação dos mecanismos de participação em seu discurso
de posse na presidência da Corte. “Seria um passo importante para
debater ainda mais a participação popular.”
A presidenta do Conselho Nacional de Saúde,
Maria do Socorro Souza, explica que, na prática não haverá mudança na
criação de novos conselhos e eles continuarão existindo. O decreto
apenas regulamentava e reorganizava os conselhos e responsabilizava mais
os governos, nos três níveis.
“Temos quase 30 anos de democracia, mas é possível melhorar, ter mais
articulação entre a democracia participativa e a representativa. Não é
porque o Legislativo foi eleito pelo povo que damos o direito de [os
parlamentares] legislarem sem dar voz às comunidades. [A derrubada do
decreto] foi uma reação revanchista, precipitada, sem transparência ou
diálogo com uma política de Estado”, disse Maria do Socorro.
Em participação ontem (28) no programa Espaço Público, da TV Brasil,
o ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, disse que a
derrubada do decreto não é o fim do mundo. “Já perdemos várias, perdemos
votações e a vida segue, claro que queremos ganhar o máximo possível.
Mas o resultado é ruim para quem defende posições populares”, avaliou.
“É uma derrota simbólica”, disse o assessor de Projetos e de Formação da Coordenadoria Ecumênica de Serviço,
José Carlos Zanetti. “O decreto seria o coroamento da criação de um
sistema de muitos conselhos já existentes, que legitimam políticas
públicas. Houve um sinal ruim com a suspensão do decreto que cria uma
cortina de fumaça naquilo que já estava acontecendo, provoca um desgaste
na sociedade”, disse.
Segundo a coordenadora-geral da associação Ação Educativa e integrante da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong),
Vera Masagão, o decreto estava ligado à transparência e coibia o
aparelhamento do governo. Para ela, a Câmara colocou em xeque a
iniciativa de milhares de pessoas que, voluntariamente, participam de
conselhos em todos os níveis pelo país.
“Não há nenhum argumento válido [dos deputados]. A perda é grave com a
atitude do Congresso, uma ação que seria importante para a democracia
ser usada para embate político. E o que chama a atenção é a participação
de um grupo tão grande de lideranças de partidos historicamente
comprometidos com a participação social”, disse Vera.
A integrante da Abong acrescentou que a sociedade saiu mais
politizada da eleição e que é preciso cobrar desses partidos uma
oposição mais qualificada, com mais consistência dos argumentos e
propostas alternativas. “Se eles se sentem ameaçados, têm que
explicitar”, argumentou Vera.
O Projeto de Decreto Legislativo 1491/14, que derruba o Decreto nº 8.243, de maio deste ano, ainda passará pela avaliação do Senado Federal. O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse hoje que “dificilmente” o decreto será mantido no Senado.
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