Manifestação em frente ao Congresso |
Não, não estamos falando de uma banda de rock da Índia, mas do Uruguai, país que já foi chamado Banda Oriental do Rio Uruguai.
A
Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou, por 50 votos a
49, o projeto que descriminaliza o aborto no país até a 12ª semana de
gestação; 14ª se houver estupro e prazo indeterminado se houver risco de
vida para a mãe.
O texto aprovado substitui a palavra “legalização” por
“descriminalização” e
deixa claro que a decisão final cabe apenas à mulher. As interessadas
deverão
ser submetidas a uma comissão de médicos e assistentes sociais que as
informarão sobre as alternativas. Depois de cinco dias, a mulher
decidirá se
quer manter ou interromper a gravidez. O projeto diz que o aborto não
será
penalizado desde que a mulher cumpra essas exigências e o procedimento
será
feito em centros de saúde supervisionados pelo governo.
O projeto vai agora ao Senado, onde não terá dificuldades para ser aprovado. Com isso, o Uruguai se tornará o primeiro país da América do Sul a descriminalizar o aborto; em toda a América Latina, a prática é legalizada apenas em Cuba. A proposta do partido do governo, a Frente Ampla (centro-esquerda), tinha sido rejeitada em duas outras oportunidades. Na última delas, em 2008, o projeto fora aprovado pelo Congresso, mas vetado pelo então presidente Tabaré Vázquez, que justificou sua decisão devido a “razões filosóficas e biológicas” e provocou uma crise na Frente Ampla. O atual presidente, José Pepe Mujica já anunciou que não vetará o projeto.
Duramente criticado pelos conservadores dos partidos tradicionais,
Blanco e Colorado, e por grupos religiosos, o projeto recebeu apoio de organizações e
entidades de defesa dos direitos civis. Durante a sessão na Câmara, mulheres
nuas com os corpos pintados cercaram o prédio do Legislativo do Uruguai para
demonstrar apoio à proposta. Os grupos contrários ao texto também foram até o
local do protesto.
O presidente José Battle votando |
Ao lado da proposta de legalização da maconha para combater
o narcotráfico, feito há meses pelo presidente Mujica, a descriminalização do aborto
faz com que o Uruguai retome sua tradição de país culturalmente liberal e
socialmente avançado. Desde o início do século XX, a partir do governo de José
Battle y Ordoñez, o Uruguai caracterizou-se por ser um país de leis de
vanguarda na América Latina. Battle, presidente entre 1903 e 1915, introduziu
uma avançada legislação trabalhista – um welfare state avant la lettre –, colocou os bancos sob controle do governo e
concedeu crédito aos agricultores. Também encorajou a construção de portos,
fábricas e edifícios públicos. Em 1907 foi aprovada a lei de divórcio (sete
décadas antes de todos seus vizinhos); em 1932, o Uruguai se tornou o segundo
país das Américas a conceder o direito de voto às mulheres (o primeiro foi os
EUA). A República Oriental ficou conhecida como “Suíça da América do Sul”, mas
nos anos 1970 o Uruguai sofreria, como seus vizinhos, sob as botas de uma
sangrenta ditadura militar. Mesmo assim, em 1980 os uruguaios rejeitaram um
plebiscito em que os militares tentaram institucionalizar a ditadura. O país
voltou à democracia em 1985.
A partir de 2004, com a ascensão da Frente Ampla ao poder, o
Uruguai voltou a ser vanguarda. Em 2007, o país se tornou o primeiro Estado
latino-americano a fazer uma lei de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em
2008 o Parlamento aprovou lei que pune os pais que inflijam punições físicas a
seus filhos; em 2009 o Congresso abriu as portas para a adoção de crianças por
parte de casais homossexuais e, no ano seguinte, houve o fim das restrições à
entrada de homossexuais nas Forças Armadas.
O presidente José Pepe Mujica |
O Uruguai também é considerado o país mais
laico das Américas. O juramento de posse do presidente exclui qualquer
referência a Deus já que ele jura por sua honra pessoal e a Constituição. O
país já teve vários presidentes declaradamente ateus e agnósticos e nunca
ninguém se escandalizou com isso. Não há crucifixos no Parlamento, nem nas
repartições públicas. Menos de 50% da população é declaradamente católica,
enquanto que outros 40,4% não têm nenhuma filiação religiosa.
Ai, que inveja!
Por Cláudio Camargo
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