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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O disco novo de Bob Dylan é um luxo necessário



Por Paulo Nogueira

“Eu pago com sangue, mas não o meu”. O 35º disco de Bob Dylan, Tempest, é uma pequena maravilha na forma de dez canções em que ele fala de suas obsessões recentes: amor, morte, traição – e o Titanic(!). “Falar” é o termo correto, já que Dylan, na sua voz de coveiro de Juca de Oliveira, encharcada de cigarro, bebida e abusos dos anos 60, vai recitando as letras como um velho rapper sobre a cama sonora fornecida pelo baixista Tony Garnier, o baterista George G. Receli, o slide guitar de Donnie Herron, as guitarras de Charlie Sexton e Stu Kimball.

Não é um disco fácil. Dylan é um contador de histórias e necessita da sua atenção. O blues domina a cena, não apenas musicalmente, mas nos temas sombrios. Começa leve, com Duquesne Whistle, a crônica sobre um rapaz apaixonado por uma garota que acaba preso e espancado e nem assim desiste dela. Em seguida, vai ficando mais misterioso, denso e hipnótico. Dylan mistura versos de William Blake a referências a Louis Armstrong, Isley Brothers – e Leonardo Di Caprio.
Tempest é o coração do disco. Tem 45 versos em 14 minutos. Mais exatamente, 13 minutos e 54 segundos. É um folk com acordeão e rabeca, em que ele reconta o naufrágio do Titanic, ou o que seria o naufrágio do Titanic segundo Bob Dylan, que se inspirou menos na tragédia real e mais no filme de James Cameron. Imagine-o em casa, sem nada para fazer, vendo um filminho à tarde e deitando umas linhas sobre ele para ver o que acontece. Como Bob é melhor que Cameron, deu profundidade e drama às cenas terríveis que visualizou: passageiros caindo nas águas geladas, um homem que não sabe nadar e cede seu lugar no bote salva-vidas a uma criança deficiente, corpos boiando. Leo said to Cleo: I think I’m going mad/but he lost his mind already. Você nunca mais vai ouvir aquele tema xarope de Celine Dion do mesmo jeito.
Não espere qualquer manifestação política. O homem de 71 anos transcendeu e hoje só canta hinos como Blowing in the Wind em shows, numa versão irreconhecível (provavelmente, de propósito). Ars gratia artis – a arte pela arte. Não tem gaita, também. Ele voltou para o básico, um menestrel se utilizando da música folclórica americana. É um titã, o roqueiro mais importante e influente do mundo, ainda na ativa. Seu único rival seria John Lennon. Ele sabe disso e dedica a Lennon a música que fecha Tempest,Roll On John.
Shine a light, move it on, you burnt so bright, roll on John. Um lamento, uma elegia em que ele cita A Day in The Life e Come Together. Diz Bob Dylan, a voz comovida, em seu tributo ao amigo:

I heard the news today, oh boy

They hauled your ship upon the shore
Now the city’s gonna die
There is no more joy
They tore the heart right out
And cut it through the core

“Eu sempre adoro encontrar John. Sempre. Ele é um cara maravilhoso e eu sempre gosto de vê-lo”, contou Dylan numa entrevista à revista Rolling Stone em 1969. Lennon não está mais aqui para responder. Mas temos Bob Dylan, em forma, cantando sobre ele e sobre coisas que não esperávamos ver, ouvir ou sentir transformadas em arte. E isso é uma sorte tremenda, oh, boy.
 
 
 
Fonte: Blog do Poter
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