O sonho de Anna Giorgobiani e Cindy Lee Garcia era o de qualquer
atriz que tenta a carreira dos Estados Unidos: ir para Holywood e ficar
famosa. Ficaram — mas pelos motivos errados. Anna e Cindy desempenham
papeis no diabólico A Inocência dos Muçulmanos, provavelmente o filme menos visto e mais falado de todos os tempos. O trailer de 14 minutos no YouTube
desencadeou uma onda de protestos no mundo árabe que não para de
crescer. Dezenove pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas no
Paquistão (onde um anúncio do presidente Obama condenava a produção do
cristão copta picareta Nakoula Basseley Nakoula). A coisa piorou depois
de uma dublagem em árabe e da publicação de caricaturas de Maomé numa revista francesa e noutra alemã. Como se sabe, o islamismo proíbe a representação iconográfica de seu profeta.
Cindy perdeu, em primeira instância, a ação contra o Google, dono do
YouTube, em que pedia que o trailer fosse tirado do ar nos EUA. Ambas
também estão processando Nakoula, dizendo-se enganadas e sustentando que
o trailer foi inteiramente dublado. Na ficha postada no site
Craigslist, em que o “cineasta” procurava atores, estava escrito que se
tratava de uma história passada no Egito há 2 mil anos. O nome era Guerreiro do Deserto.
Elas estão comprensivelmente apavoradas, temendo por suas vidas. “Eu
não durmo e vivo à base de remédios”, disse Cindy, uma cinquentona
californiana que interpreta uma mãe que oferece a filha adolescente a
Maomé.
Anna Giorgobiani, ou Anna Gurji, seu nome artístico, tem 21 anos e é
de Tblisi, capital da Geórgia. Ela aparece perseguindo um homem (George,
segundo o roteiro original) em torno de uma tenda. Escreveu uma carta
para o celebrado autor de quadrinhos Neil Gaiman contando seu drama.
“Algo de muito ruim aconteceu”, começa ela. “Preciso da ajuda de todos,
desesperadamente. Sinto-me morta por dentro”, diz. “Não havia qualquer
menção a ninguém chamado Maomé e à religião enquanto estive no set.
Tenho absoluta certeza de que nenhum dos membros do elenco estava ciente
do que estava planejado”.
O personagem de Anna era o de uma garota vendida contra sua vontade a
um líder tribal. Ela teria sido levada a crer que a fita era sobre
tribos do antigo Egito que buscavam um cometa com poderes sobrenaturais,
caído no deserto. Na mensagem, também se lembra das dificuldades que
enfrentou como imigrante e como ficou feliz ao receber a notícia de que
ganhara um papel coadjuvante num filme independente. Antes do fatídico
encontro com Nakoula, havia estrelado um curta chamado, ironicamente, If This Day Never Happened, de 2006 (veja um trecho no pé deste artigo).
Ainda que Anna e Cindy tenham sido total e inapelavelmente
ludibriadas, permanecem algumas perguntas: o que o nome do diretor de
softporn Alan Roberts está fazendo na ficha?; em dezoito dias de
filmagens, ninguém dos oitenta membros da equipe notou que o que estava
sendo realizado era outro filme?; ninguém desconfiou que “George” e
“Hillary” não eram, vamos dizer, nomes populares no Egito?
Se não, Nakoula, mais do que um pilantra e um fanático religioso, é
também um gênio do mal. Seja qual for o grau de conhecimento de todos os
envolvidos em Inocência dos Muçulmanos, dificilmente alguém
poderia supor que a explosão de revolta entre os árabes tomasse tamanha
proporção. Principalmente Anna e Cindy, que enfim entraram, da pior
maneira possível, para a história do cinema.
Paulo Nogueira no DCM
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