O corpo do professor é velado no Palácio Universitário, no Campus da Praia Vermelha
RIO - O cientista político Carlos Nelson Coutinho morreu na manhã
desta quinta-feira, aos 69 anos, vítima de câncer. O corpo do professor
será velado nesta quinta no átrio do Palácio Universitário, no Campus da
Praia Vermelha, e cremado na sexta-feira, no Cemitério do Caju.
Livre-docente
da UFRJ, Coutinho tornou-se reconhecido internacionalmente como um dos
maiores especialistas no pensamento do filósofo húngaro György Lukács e
do italiano Antonio Gramsci. É também autor de elogiada tradução para o
português do clássico O Capital, de Karl Marx.
Além de
responsável pela coordenação e edição da obra de Gramsci no Brasil,
Carlos Nelson Coutinho, que nasceu em Itabuna (BA), publicou livros
fundamentais para os estudos de teoria política no país, como Gramsci, um Estudo sobre seu Pensamento Político e A Democracia como Valor Universal, entre outros.
Professor
titular de Teoria Política na Escola de Serviço Social (ESS−UFRJ),
formou-se em filosofia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e se
dedicou à crítica cultural nos anos 60 e 70, concentrando sua atenção na
filosofia política e articulando sua reflexão teórica com a prática
militante no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, depois, no Partido
dos Trabalhadores (PT) e no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
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Carlos Nelson Coutinho: “Precisamos colocar em discussão as grandes questões políticas”
Por Igor Felippe Santos
Revista Sem Terra Nov/Dez 2005
O
debate político tomou conta de parte da população e dos meios de
comunicação no país. São generalizadas as discussões sobre a vida
parlamentar, os casos de corrupção e cassações, as comissões
parlamentares de inquéritos, a compra de deputados, a reforma política e
as formas de financiamento de campanha dos partidos políticos.
O
pensamento do ativista político comunista e filósofo italiano Antonio
Gramsci, autor de “Cadernos do Cárcere”, contribui para a compreensão do
quadro brasileiro. Para Gramsci, a política tem uma dupla dimensão: a
da “pequena política”, voltada para a administração das instituições
existentes, e a da “grande política”, correspondente à transformação ou
conservação das estruturas orgânicas econômicas e sociais.
“Há
um avanço muito claro da ‘pequena política’ sobre a ‘grande política’.
Esse é um dos elementos fundamentais da hegemonia neoliberal”, explica
Carlos Nelson Coutinho, professor de Teoria Política da Universidade
Federal do Rio de Janeiro e autor de Gramsci – Um Estudo sobre seu Pensamento Político.
Um
dos maiores especialistas em Gramsci no Brasil, o professor acredita
que a esquerda precisa ampliar o foco do debate para levar à sociedade
as grandes questões políticas. Para avançar nesse sentido, os movimentos
sociais não podem conciliar com a política menor e devem colocar suas
exigências na ampla agenda política.
De
acordo com Coutinho, depois da cooptação do PT, a disputa eleitoral
tende ao revezamento de dois grupos partidários com projetos parecidos,
sem perspectiva para mudanças estruturais. “Cria-se dois blocos de
partidos, um centrado no PT e outro no PSDB, que provavelmente vão se
alternar no governo, mas sem maiores modificações. Tanto faz um como o
outro: a economia está blindada”, afirma.
Outra
categoria gramsciniana apresentada nesta entrevista surge da
diferenciação das sociedades de tipo “Ocidental” e “Oriental”. Termos
originalmente geográficos, ganharam um caráter histórico-político com a
conceituação formulada pelo filósofo italiano. Na sociedade “Oriental”, o
Estado-coerção prevalece diante de uma sociedade civil primitiva e
gelatinosa. Já na “Ocidental”, há uma relação equilibrada entre Estado e
sociedade civil, espaço de disputa da hegemonia ideológica.
A
sociedade civil brasileira teve um papel importante na vida política do
país, tanto que foi duramente reprimida pela ditadura militar. Mesmo
assim, conseguiu resistir. Coutinho considera o Brasil como um país de
tipo “Ocidental”, mas aponta uma tendência de “ongzação”. Cria-se uma
suposta lógica independente de Estado e mercado e, com isso, a luta dos
diversos grupos deixa de lado as necessidades de toda a população,
limitando-se a pontos corporativos. “A sociedade civil é terreno da luta
de classes e de conflito profundo. Há uma tentativa de
‘americanização’. Querem transformar até mesmo o movimento operário em
um instrumento puramente reivindicativo”, denuncia.
A essência da atividade política está em crise no Brasil?
Carlos
Nelson Coutinho – Não só no Brasil, mas no mundo, tenho observado um
avanço muita claro da “pequena política” sobre a “grande política”. Esse
é um dos elementos fundamentais da hegemonia neoliberal. Com isso,
modificações de governos não alteram as relações de poder. Um exemplo
claro no Brasil de hoje é a chamada “blindagem da economia”. A grande
preocupação do governo e da oposição é proteger a economia, ou seja,
proteger o aspecto ligado a estrutura e organização. A crise que
acontece no Brasil é muito mais da “pequena política” do que da política
em sentido mais amplo. A discussão das cassações, da reforma política,
voto por lista, eleição distrital tem sua importância, mas na verdade
não tocam as grandes estruturais do país. Isso está afastado da agenda
política.
Por que isso aconteceu?
CNC
– Em grande parte por culpa do governo do PT, que abandonou as grandes
propostas do partido e se concentrou em gerir o existente e administrar
uma política herdada. Estamos diante do triunfo da “pequena política”,
que está marcando a vida brasileira e internacional. Não é um fenômeno
só brasileiro.
Como colocar a discussão das grandes questões na sociedade brasileira?
CNC
– É fundamental que os movimentos sociais não conciliem com esse tipo
de política pequena e continuem colocando suas demandas na agenda
política geral. Nesse sentido, o MST tem cumprido o papel. Talvez seja o
único movimento social significativo no Brasil que continua colocando
as questões de estrutura em discussão. A direção da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), por exemplo, foi cooptada por esse modelo de
governo. Não é casual que o presidente da CUT virou ministro do Trabalho
[Luiz Marinho, empossado em julho]. Eu vejo com simpatia a criação do
PSOL (Partido do Socialismo e Liberdade), um novo partido de esquerda,
ainda em formação. Não está bem definido ainda seu programa e suas
atividades, mas tem uma intenção explícita de recuperar e resgatar as
bandeiras que o PT abandonou. E, portanto, pretende colocar na agenda
política as grandes questões, como a construção de uma nova ordem social
e reformas radicais que caminhem nesse sentido. É o que podemos fazer.
Com
a consagração da “pequena política”, a alternância de grupos no governo
não vai promover as mudanças na estrutura social do país?
CNC
– Infelizmente é o que tende a ocorrer no Brasil. Cria-se dois blocos
de partidos, um centrado no PT e outro no PSDB, que provavelmente vão se
alternar no governo, mas sem maiores modificações. Tanto faz um como o
outro: a economia está blindada. É ótima essa expressão. O que conta se a
economia está blindada? Em um discurso, Lula dizia o seguinte: ficam
querendo que eu me meta na questão da taxa de juros, isso não é um
problema da presidência da República, é do Banco Central. O presidente
do BC não foi eleito. Mais de 52 milhões de pessoas votaram no Lula e
ele abriu mão de decidir aquilo que é fundamental para o país, que é a
política econômica e monetária. É uma prova clara de que estamos longe
de viver uma situação efetivamente democrática. O povo não tem como
interferir com o voto nem com pressão nas grandes decisões que afetam o
destino de todos nós.
Quais os desafios da esquerda dentro dessa conjuntura de polarização entre dois blocos sem diferenças significativas?
CNC
– Precisamos colocar em discussão as grandes questões políticas. É uma
tarefa que depende de toda a esquerda. Não é uma tarefa apenas do PSOL.
Temos que criar um diálogo permanente entre a esquerda do PT —
incapacitada de definir uma linha para o partido que discorde do
governo, mas composta de pessoas valorosas que merecem nosso respeito – e
com o PSTU, com quem freqüentemente discordo pelas posições sectárias.
E, sobretudo, com os movimentos sociais. A função do MST é fundamental.
Se o MST for cooptado, o que infelizmente é uma possibilidade, será uma
tragédia ainda maior para a esquerda brasileira do que a cooptação do PT
e do governo Lula. Por exemplo, a “Carta aos Brasileiros” foi infeliz.
Embora dissesse que era contra a política econômica, defendia o governo
Lula, que diz explicitamente que não vai mudá-la. A carta fala também do
mito da conspiração das elites. Pelo contrário, Lula continua no
governo porque as elites querem. A blindagem da economia implica manter
Lula lá porque faz a política que interessa ao capital financeiro e ao
grande capital em geral. Naquele momento eu fiquei preocupado. Seria
extremamente negativo para a esquerda brasileira se um movimento tão
importante e significativo como o MST deixasse de lutar pela agenda
política que sempre lutou, com uma proposta anticapitalista.
Diante das imensas dificuldades, como reacender a discussão do socialismo?
CNC
– Quem impõe à sociedade o socialismo é o capitalismo. Com suas enormes
contradições, superadas por meio de novas contradições, cada vez
maiores, o capitalismo coloca na ordem do dia a necessidade de outra
ordem social, que é o socialismo. Uma ordem social solidária, não
fundada no lucro privado, mas no interesse público. Pode haver formas de
propriedade privada em alguns casos, mas seguramente os grandes meios
de produção devem estar socializados. Para definir uma sociedade como
socialista é fundamental que haja a socialização do poder político. Isso
não ocorreu nos países do chamado “socialismo real”, o que explica o
seu colapso. Imagino o socialismo no século 21 com uma crescente
participação popular, com institutos de representação e parlamentos – é
impossível no mundo de hoje não haver nenhuma representação – que têm
que ser controlados por organismos de democracia direta de base, como
conselhos locais e de fábrica, entre outros. Dessa forma, se cria
espaços para uma autogestão dos trabalhadores sobre o conjunto da
sociedade. O socialismo terá que ser profundamente democrático no
sentido da integração da representação com a participação direta.
Como trazer as massas para o jogo político?
CNC
– É um grande desafio, uma tarefa cotidiana de todos nós. É preciso nos
organizar e contribuir para a organização popular. Não fazemos política
isoladamente. Um grande intelectual pode fazer uma declaração e
influenciar pessoas, mas o caminho correto para fazer política é por
meio da organização, em partidos ou movimentos.
Vivemos
em uma sociedade extremamente individualista. As pessoas querem levar
vantagem em tudo e os anseios privados prevalecem. Nas cidades, esses
valores parecem mais fortes que no campo. Como inverter a situação nos
espaços urbanos?
CNC
– No final dos anos 70, ainda sob a ditadura, houve um movimento
associativista nas grandes cidades extremamente significativo, com a
associação de moradores e favelados. Isso teve um papel importante no
desgaste da ditadura e contribuiu para o fim do regime. Há um estudo que
mostra que foram criadas mais associações no Rio de Janeiro, entre 1970
e 1980, que em todo o século 20. Foi um período muito rico. Portanto, é
possível um associativismo urbano, inclusive de moradores de classe
média e também favelados. Quem é culpado pela desativação do movimento
social? É o PT ou o PT deu a guinada à direita porque o movimento social
se enfraqueceu? Dialeticamente, são os dois fatores. Certamente, uma
das nossas tarefas fundamentais é reativar o movimento social. O Gramsci
tem uma frase muito bonita: um comunista deve combinar o pessimismo da
inteligência com o otimismo da vontade. Não podemos ter ilusão na
análise da realidade. Estamos vivendo uma realidade difícil. A esquerda
está em retrocesso em todo o mundo. Tanto mais difícil é a situação
tanto mais carecemos do otimismo da vontade para transformá-la. A
análise pessimista não pode nos levar ao imobilismo. Ao contrário, deve
nos levar a uma capacidade de ação e intervenção ainda maiores.
Como você avalia a organização da sociedade civil brasileira durante o governo Lula?
CNC
– O Brasil é uma sociedade mais “Ocidental” do que “Oriental”. Há uma
sociedade civil forte que se construiu e vem se construindo há décadas.
Teve um papel importante na vida política brasileira no período dito
populista. Foi reprimida duramente pela ditadura, e conseguiu se manter.
Teve um papel decisivo no fim do regime militar. Mas há dois tipos de
organização nas sociedades “ocidentais”: o modelo americano e o modelo
ex-europeu — que está mudando. No modelo dos Estados Unidos, há uma
sociedade civil organizada em torno de interesses puramente
corporativos, com um associativismo limitado a questões extremamente
particularistas. Faltam discussões dos grandes temas políticos. De
maneira esquemática e simplificada, eu chamaria de “ongzação”. Criou-se
uma ideologia que redefine a sociedade civil com o reino do bem, do
voluntariado e para além do Estado e do mercado. É um mito. A sociedade
civil é terreno da luta de classes e de conflito profundo. Há uma
tentativa de “americanização”. Querem transformar até mesmo o movimento
operário em um instrumento puramente reivindicativo. É um risco.
O
setor bancário e as bolsas de valores são os setores mais beneficiados
nos últimos anos pela no Brasil. Pode-se dizer que o capital financeiro
tem a hegemonia na sociedade?
CNC
– Dizer que tem a hegemonia na sociedade é complicado. Na década de 30
se formou no Brasil um bloco burguês, uma coalizão de frações burguesas.
Até o final da ditadura, na década de 80, a fração industrial foi
predominante. Isso marcou as políticas do período de alto crescimento e
colocou o Brasil entre os países que mais cresceram no mundo. O triunfo
do neoliberalismo é expressão do fato de que a fração financeira do
capital, o capital bancário, mais precisamente, passou a ser a fração
hegemônica no bloco de poder no Brasil e no mundo. A burguesia
industrial continua também no poder, mas em condições não tão favoráveis
como para o capital financeiro. A Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp) e o vice-presidente José Alencar — que se revelou
paradoxalmente à esquerda de Lula – brigam contra a taxa de juros. Não é
casual. Os industriais não se beneficiam com essa altíssima taxa de
juros. Quem se beneficia é o capital financeiro e setores da camada
média que têm aplicações financeiras. A fração financeira do grande
capital tem a hegemonia conflitiva sobre as outras frações do capital.
Vendeu a idéia de que a estabilidade monetária e o equilíbrio fiscal são
fundamentais para a salvaguarda da economia e do capitalismo, e as
outras frações aceitam.
Mas o capital financeiro continua avançando para a sua consolidação ideológica?
CNC
– No Brasil de hoje há uma tendência da hegemonia de valores
neoliberais, como as idéias de que temos que levar vantagem em tudo,
cada um que lute pela sua vida, pobre é pobre porque é preguiçoso, quem
tem mérito sobe na vida… Mas há resistências. Não há uma hegemonia
consolidada da burguesia no Brasil como nos Estados Unidos. Em um Estado
de tipo “Ocidental”, como é o caso brasileiro, além da coerção, as
classes dominantes precisam consolidar seu domínio pela hegemonia. Estão
tentando. A hegemonia neoliberal ainda é colocada em discussão
permanentemente. A vitória eleitoral do Lula é em grande parte resultado
do fato de que se votou contra o modelo neoliberal. Infelizmente, de
certo modo, o governo Lula contribuiu para consolidar a hegemonia
neoliberal.
De que maneira o governo ajudou o neoliberalismo?
CNC
– O mais grave do governo petista não é que tenham abandonado as velhas
propostas e tenham aderido ao neoliberalismo. Ao fazer isso, eles
esvaziaram as forças sociais que resistiam ao neoliberalismo, como o PT e
os movimentos sociais. Paradoxalmente, temos uma situação de
consolidação neoliberal pior do que no governo Fernando Henrique, quando
havia oposição real. Na Argentina, Carlos Menem [presidente do país
entre 1989-99] privatizou tudo. A radicalidade da política neoliberal na
Argentina foi muito maior que no Brasil. Não porque FHC não fosse tão
liberal quanto Menem, mas havia o PT, a CUT e o MST que combatiam.
A
resistência está enfraquecida exatamente porque PT e CUT,
particularmente, deixaram de oferecer resistência ao neoliberalismo. O
governo petista se tornou o terceiro governo da Era FHC – como diz Chico
de Oliveira. Há uma hegemonia do neoliberalismo razoavelmente
consolidada, mas ainda questionada permanentemente. Até porque o
neoliberalismo só fez piorar as condições de vida do povo brasileiro e
aumentou a miséria. Os “bolsas-famílias” não vão resolver. No período de
1930 até o final dos anos 80, houve uma certa taxa de inclusão social,
com trabalhadores de carteira assinada e direitos previdenciários.
Tivemos idas e vindas. Na ditadura caiu o salário, mas não foi tanto.
Mantiveram um certo padrão de vida dos trabalhadores. De lá para cá, com
o triunfo do neoliberalismo as condições de vida pioraram, os direitos
sociais estão sendo desconstruídos e a parcela da renda do trabalhador
no PIB (Produto Interno Bruto) diminuiu substantivamente. Em um quadro
como esse, é muito difícil obter o consenso.
Para
a esquerda construir a sua hegemonia, é possível contar com uma parcela
da burguesia ou é preciso trilhar por outro caminho?
CNC
– É um fato real a idéia de que setores do pequeno e médio capital
podem estar interessados em uma política antineoliberal. Tanto uma
burguesia média urbana como rural também — embora a União Democrática
Ruralista (UDR) tenha tido a habilidade para hegemonizar o pequeno
produtor rural, em nome da defesa da propriedade. Setores da burguesia
podem aceitar algumas propostas. De qualquer forma, o centro da aliança
alternativa ao neoliberalismo deve ser os trabalhadores urbanos e
rurais. Trabalhadores no sentido amplo, não só classe operária fabril,
mas do setor de serviços, tradicionalmente chamado de pequena burguesia,
mas que hoje de burguesia não tem nada, só de pequena.
Pela via institucional é possível engendrar as transformações na sociedade?
CNC
– Eu acredito mais numa combinação entre a via institucional e pressões
vindas de baixo. Entendo democracia como um sistema que integra
fortemente instituições, evidentemente, mas participação popular. As
transformações poderão passar pelos caminhos institucionais, mas só na
medida em que houver pressão de baixo e institutos de democracia direta
que corrijam as distorções de democracia representativa.
Dentro
da idéia de combinação de disputas eleitorais e pressões populares,
como deve ser a relação dos partidos de esquerda com os movimentos
sociais?
CNC
– Deve ser de diálogo permanente. Aliás, um problema do PSOL é que ele
não nasce ligado a fortes movimentos sociais. Ao contrário do PT, que
surgiu a partir do movimento social, particularmente operário e
sindical. Isso foi um fator muito importante para a dinamização e
crescimento do partido. O PSOL ainda não conseguiu isso, mas é uma
tarefa fundamental. O Gramsci acredita que os intelectuais sabem, mas
nem sempre sentem, e o povo sente, mas nem sempre sabe. É de um diálogo
entre intelectuais e movimentos sociais que podemos formular um bloco
histórico efetivamente transformador. Os partidos devem dialogar e
aprender com os movimentos, mas ao mesmo tempo deve dar uma diretriz
geral, sem reprimir as demandas particulares dos movimentos, mas que
seja capaz de potenciá-las numa frente mais ampla que envolva o conjunto
da sociedade.
O
PT surgiu com uma nova base ideológica, que negava tanto o socialismo
soviético como a social-democracia européia. Com o tempo foi se
burocratizando e perdendo as características originais. Na Europa
aconteceu a mesma coisa com os partidos de esquerda. Quais devem ser as
características de um novo partido de esquerda para evitar que os mesmos
erros se repitam?
CNC
– Também aqui não há nada que nos assegure contra isso. É sempre uma
tarefa dos militantes e da direção do partido lutar para evitar o risco
burocrático. O sociólogo alemão conservador Robert Michels escreveu um
livro chamado “A sociologia dos partidos políticos”, no qual faz um
estudo empírico da social-democracia alemã para mostrar como um partido
revolucionário e radical foi progressivamente se burocratizando e
terminou por ser um partido pouquíssimo democrático integrado ao
sistema. Michels chegou a criar uma “lei de ferro da oligarquia”: toda
organização termina fatalmente oligárquica. Apesar de discordar da tese,
é um risco real.
Vale a pena correr o risco?
CNC
– É um risco que inevitavelmente se correrá. Não é fatal que triunfe a
burocratização. Eu continuo considerando o partido político como uma
forma imprescindível na luta social. O partido revolucionário e
transformador tem exatamente como função básica universalizar as
demandas dos diferentes setores e colocar uma alternativa de sociedade.
Para Gramsci, quando um partido não cumpre as suas funções, um
intelectual importante, um jornal ou um grupo de jornais e um movimento
podem ocupar a função. Se um partido não faz isso, um movimento social
pode fazer, apesar de não poder ter a função precípua de um partido
político.
É possível um partido revolucionário se manter revolucionário participando do jogo institucional?
CNC
– Depende do que a gente entende por revolução. Na história do próprio
pensamento marxista, há diferentes conceitos de revolução. A depender do
contexto concreto, há estratégias revolucionárias diferenciadas. Há a
estratégia de assalto ao poder, nas sociedades de tipo “Oriental” — que
foi vitoriosa na Rússia de 1917 — que me parece inadequada para países
de sociedades mais complexas, nas quais deve vigorar a “guerra de
posição”. Eu tenho chamado essa estratégia de reformismo-revolucionário.
Nós podemos trabalhar lutando por reformas radicais, mas tendo como
objetivo final a superação do capitalismo. Não é substituir a revolução
pela reforma, mas combinar dialeticamente reformas que apontem no
sentido das transformações da ordem social. Estamos diante de grandes
desafios. A esquerda mundial nunca esteve tão desafiada como está hoje.
Nós brasileiros estávamos na contramão da tendência histórica de
declínio da esquerda. O PT é o único partido de esquerda que cresceu no
período de crise do movimento real do socialismo. Agora não estamos
mais, nos encontramos pasteurizados como a esquerda mundial.
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