Como Dilma alguns dias atrás, Lula parece ter, enfim, perdido a paciência.
Lula governou apanhando calado das viúvas do Antigo Regime, representadas pelas grandes corporações de mídia.
Ele fez uma opção, desde o início, pela conciliação. Na Carta aos Brasileiros, garantiu ao 1% que nada de substancial mudaria.
Fez questão de comparecer ao enterro de dois barões da imprensa de
grande destaque no Antigo Regime, Octavio Frias e Roberto Marinho.
Chegou ao ponto – lastimável – de decretar três dias de luto em
memória de Roberto Marinho, a quem numa nota pública fez um panegírico
sem apoio nenhum na realidade dos fatos.
Não fez nada em relação aos limites da mídia. A velha Inglaterra se
movimentou primeiro, e sob um governo conservador com fortes vínculos
com Rupert Murdoch.
O relatório Leveson, o conjunto das propostas de mudança na regulação
da mídia britânica, foi o reconhecimento do governo de David Cameron de
que a sociedade está acima dos jornais – propriedade de empresários
como Murdoch para os quais o interesse pessoal vem na frente do
interesse público.
Ponto.
Lula sequer discutiu a abjeta, repulsiva reserva de mercado para as
empresas de jornalismo. Tão ávidas em falar de competição, elas se
agarram a uma legislação esclerosada que impede o estabelecimento no
Brasil de empresas estrangeiras.
Perde o país, porque o jornalismo brasileiro melhoraria sob a
concorrência. E perde a decência, pela perenidade de um privilégio sem
sentido.
Em sua política de boa vizinhança, Lula sequer chegou a mexer no
destino da multimilionária conta publicitária do governo e das estatais.
Isso foi dar numa bizarrice: a Globo mesmo com a pior audiência de sua
história em 2012 continuou a faturar em cima do governo como se
dominasse, como na era pré-internet, o mercado brasileiro de forma
avassaladora.
Nada disso impediu que Lula fosse atacado de forma cada vez mais
feroz por aqueles diante de quem contemporizava e, em certas ocasiões,
até recuava.
A mídia brasileira se transformou, nos últimos dez anos, numa fábrica
uniformizada de colunistas dedicados a caçar Lula. Bater em Lula deu
emprego e espaço a nulidades como Villa, Azevedo e Mainardi. Todos eles
inexpressivos em seus campos de atuação antes de Lula, ganharam depois
os holofotes interesseiros apenas por atirar em quem o Antigo Regime
queria ver sangrando.
Lula jamais reagiu, e isso talvez tenha lhe dado a aura de perseguido
e ajudado a construir a formidável popularidade que ele tem diante do
povo brasileiro.
Mas ao mesmo tempo a contemporização o tolheu: quando Lula disse,
repetidas vezes, que os grandes empresários jamais tinham ganhado tanto
dinheiro como sob ele, estava tristemente certo.
Como a riqueza nacional é um bolo só, se um grupo está ganhando muito
dinheiro – a família Marinho retornou agora à lista dos bilionários da
Forbes — os demais terão que se contentar com o que sobrar. Não é um
dado auspicioso para um país com tamanha desigualdade.
O silêncio de Lula diante das pancadas ininterruptas não o ajudou
sequer depois do Planalto. Como já foi notado, Lula se transformou no
primeiro ex-presidente cuja derrubada é tramada, sonhada e tentada.
Tudo isso posto, é interessante notar as palavras de Lula em Havana,
onde ele esteve nestes dias para a celebração do herói cubano José Marti
e também para visitas a Fidel e ao adoentado Chávez.
Lula falou mais alto do que de costume, como Dilma alguns dias antes
dele num pronunciamento transmitido pela televisão brasileira.
Disse o óbvio, mas este óbvio não tinha sido jamais expresso
publicamente antes com tamanha clareza. O Antigo Regime, notou ele, o
persegue não pelos erros – que não são poucos, de resto, como o Diário
tem constantemente lembrado, a começar pelo fracasso no choque ético
prometido na política e a continuar pela baixa velocidade na escandinavização do Brasil – mas pelos acertos.
O cordato Lula mudou?
Veremos. Mesmo a paciência de alguém forjado nas disputas sindicais,
em que você xinga e é xingado a cada assembleia, tem limites.
Mas não é este o ponto.
Lula parece ter entendido, fora do poder, que para que a sociedade
brasileira seja menos absurdamente injusta você não pode permitir que
uma pequena casta mimada ganhe mais dinheiro que nunca.
Caso isso aconteça, estarão sendo indiretamente lesados milhões de
brasileiros que foram simplesmente abandonados no Antigo Regime,
iniciado no golpe militar de 1964.
Lula parece ter carregado a ilusão de que poderia fazer a reforma
social que o Brasil demanda com urgência recebendo tapinhas nas costas
dos defensores e beneficiários da velha ordem.
Não é bem assim.
Se é para Lula ser agredido incondicionalmente como é, que pelo menos ele aja sem ansiar por afagos que jamais virão.
Os brasileiros ganharão.
Paulo Nogueira no DCM
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