Adriano Diogo, Carlos Neder e João Paulo Rillo (PT): O
projeto das OS do governador Alckmin (PSDB) ampliará a privatização do
Estado e das políticas públicas em São Paulo
por Conceição Lemes
O deputado estadual Adriano Diogo (PT), líder da minoria na
Assembleia Legislativa paulista, adverte: “Se o PLC 62/2013 for
aprovado, vai transformar o Estado de São Paulo numa grande OS”.
PLC 62/2013 é o projeto de lei complementar nº 62, de 2013, que o
governador Geraldo Alckmin (PSDB) enviou à Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo (Alesp), em 19 de dezembro, quando a Casa já estava
em recesso. Ele altera a lei nº 846, de 4 de junho de 1998, das
Organizações Sociais.
“Com o PLC 62/2013, o governo paulista busca salvar o essencial para o
projeto político do PSDB, que é a lei 846/2008, das Organizações
Sociais, atacada que foi na Justiça”, atenta o deputado estadual Carlos
Neder (PT). “De quebra, aproveitar a atual correlação de forças para
ampliar a privatização do Estado e das políticas públicas em São Paulo,
com os dividendos já sabidos.”
O PL das OS, como está sendo chamado, permite entregar a organizações
sociais a Fundação Casa, o Investe São Paulo e as unidades de
conservação ambiental, além dos serviços das secretarias estaduais de
Saúde, Portador de Necessidades Especiais, Cultura e Esporte, já geridos
por OS.
Tanto que, o presidente da Alesp, deputado estadual Samuel Moreira
(PSDB), escolheu a colega Maria Lúcia Amary, para relatar o projeto.
Uma escolha a dedo. A tucana Amary é mesma deputada estadual, que, em 2009, apresentou o projeto da Dupla Porta,
que autorizava hospitais públicos do Estado a destinar até 25% dos seus
serviços para usuários de planos de saúde e particulares, diminuindo a
disponibilidade para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). É o
fura-fila do SUS.
Na época, a forte reação dos defensores da reforma sanitária e do SUS obrigou Amary a recuar.
A situação atual é diferente. O PLC 62/2013 tramitou a toda a pressa,
podendo ser votado a qualquer momento no plenário da Assembleia.
“Esse projeto aumenta a terceirização, ampliando a privatização das
áreas de saúde, cultura, esporte, atendimento ou promoção dos direitos
das pessoas com deficiência, de crianças e adolescentes, conservação do
meio ambiente”, denuncia Adriano Diogo. “Alckmin vai entregar todas
essas atividades do Estado a organizações sociais, sem o menor
critério.”
“A tramitação na Assembleia foi açodada, sem sequer uma audiência
pública”, acrescenta. “Como um projeto tão amplo, que envolve cinco
secretarias de Estado, foi a plenário sem audiências públicas com essas
secretarias?”
TRAMITAÇÃO A TOQUE DE CAIXA, COM ARTIMANHAS NO CAMINHO
Alckmin enviou o PLC 62/203 em regime de urgência constitucional.
A medida é regular.
Está prevista no artigo 26, parágrafo único da Constituição Estadual e
no artigo 141, inciso IV, do Regimento Interno da Assembleia
Legislativa de São Paulo.
Ela reduz o prazo de tramitação do projeto para obrigatoriamente 45
dias. Dessa forma, ele vai a plenário mesmo que as comissões não se
pronunciem a respeito.
Diminui também para apenas 48 horas o tempo de relatoria em cada
comissão. Caso contrário, automaticamente o presidente da Alesp indica
relator especial na comissão.
No caso do PLC 62/2013, os prazos para manifestação dos relatores
foram exíguos — de apenas 48 horas! — e rigorosamente cumpridos.
Recorreu-se ao expediente regimental de indicar relator especial — da
base governista, claro — sempre que o relator designado não se
manifestou no prazo. Assim, a Constituição Estadual e o Regimento
Interno da Assembleia foram respeitados. Confira o andamento.
“Entretanto, nos chamou atenção a tramitação do projeto na Comissão
de Constituição e Justiça e na Comissão de Saúde”, nota o deputado
Carlos Neder.
A primeira analisa a constitucionalidade e a legalidade do PLC.
Estranhamente não há menção à designação de relator. Houve a opção por
relatoria especial, no caso a deputada Maria Lúcia Amary.
Na Comissão de Saúde, a artimanha foi outra.
“O projeto foi encaminhado ao relator numa sexta-feira para que ele
não tivesse a mínima condição de analisá-lo e propor a realização de
audiência pública, o que seria recomendável dada a complexidade do mesmo
e os interesses envolvidos no PLC 62/2013”, observa Neder.
Por que essas artimanhas nas comissões de Constituição e Justiça e Saúde?
Por que a determinação de Alckmin de votá-lo o mais rapidamente possível, sem audiências públicas.
Seriam os gestores das OS possíveis financiadores da campanha de Alckmin e do tucanato?
O fato é o que, ao entregar esses serviços públicos do Estado para
terceiros, o PLC 62/2013 garantirá a tucanos e amigos, mesmo que percam
as eleições em outubro, continuar indiretamente no controle de fatias do
governo paulista.
Para piorar, em 13 de fevereiro, Alckmin enviou à Assembleia Legislativa um aditivo que é um libera geral para as OS.
Para que sejam habilitadas, as OS não precisam ter conselho de
administração e diretoria. Também exclui a participação de membros da
comunidade nos conselhos da entidade, o que diminui ainda mais o já
precário controle social das OS.
O aditivo de Alckmin é curto e grosso (o negrito abaixo é do próprio governador):
- Inclua-se como artigo 2º o seguinte dispositivo, renumerando-se os demais:
Artigo 2º - Fica acrescido à Lei Complementar nº 846, de 4 de junho de 1998, o artigo 23-A com a seguinte redação:
“Artigo 23-A – Às entidades criadas por
lei pelo Estado não se aplica o disposto nas alíneas “c” e “d” do inciso
I do artigo 2º desta lei complementar.”
O artigo 2 da lei das OS trata dos “requisitos específicos para que
as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à
qualificação como organização social”.
O inciso 1 do artigo 2 dispõe sobre o que é necessário para comprovar o registro das OS.
Alckmin quer limar estas duas alíneas:
c) previsão expressa de
ter a entidade, como órgãos de deliberação superior e de direção, um
Conselho de Administração e uma Diretoria, definidos nos termos do
Estatuto, assegurado àquele composição e atribuições normativas e de
controle básicos previstos nesta lei complementar;
d) previsão de
participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de membros da
comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;
Em português claro: deixa livre os “galinheiros” para as raposas agirem à vontade.
Justamente devido aos interesses envolvidos e à complexidade do PLC
62/2013, a bancada do PT na Assembleia Legislativa, encabeçados pelos
deputados Adriano Diogo, Carlos Neder e João Paulo Rillo, atual líder do
PT na Casa, protocolou na presidência da Casa, solicitação de audiência
pública antes da votação.
O requerimento, dirigido ao deputado Samuel Moreira, foi protocolado em 26 de março e publicado no Diário Oficial do Poder Legislativo do dia 28.
O Viomundo perguntou a ele se iria atender a
demanda. O presidente da Alesp, via assessoria de imprensa, disse apenas
que o requerimento vai ser analisado.
O deputado Carlos Neder é um dos signatários. Médico, ex-secretário
da Saúde da cidade de São Paulo na gestão Luiza Erundina e crítico das
Organizações Sociais de Saúde (OSs), que são uma verdadeira caixa-preta.
Considerando que um dos focos do PLC 62/2013 é justamente a área de saúde, conversamos um pouco mais com Neder.
Viomundo – O que o PLC 62/2013 representa para a sociedade?
Carlos Neder – Antes de abordá-lo, é fundamental voltarmos um pouco no tempo para entender melhor o que está em jogo.
Em 2010, para convencer a opinião pública sobre a Dupla Porta
o governo do Estado usou o argumento de que a sua adoção atenderia ao
interesse da sociedade na medida em que permitiria ingresso de recursos
do setor privado que viabilizariam financeiramente o SUS, em benefício
da população carente. Nada mais falacioso!
Na época, mostramos que as OSs têm acesso privilegiado aos fundos
públicos e utilizam os recursos do SUS sem a necessidade de realizar
licitações e sem a realização de concursos ou processos seletivos para a
contratação de pessoal.
É tudo tão cercado de mistério que nem mesmo as próprias Organizações
Sociais são escolhidas mediante seleção pública, observando critérios
objetivos de escolha. O controle sobre elas é sabidamente frágil ou
inexistente.
Mostramos que o projeto da Dupla Porta interessava,
sobretudo, ao mercado dos planos privados de saúde que expandiram as
suas carteiras de clientes com a melhora da situação econômica do país,
sem que houvesse uma expansão correspondente de sua capacidade
instalada para tal atendimento.
Daí, porque seria interessante para a saúde suplementar [planos de
saúde] poder usar a capacidade instalada na rede hospitalar pública,
pretensamente ociosa.
Quatro anos depois, as Organizações Sociais de Saúde continuam
vivendo essencialmente à custa dos recursos públicos do SUS, estão fora
de controle, seus custos são cada vez mais proibitivos e muito acima do
praticado pela rede própria de Secretaria de Estado da Saúde e com menor
produtividade, como bem demonstrou estudo do Tribunal de Contas do
Estado.
Não bastasse isso, não há transparência em seus gastos. Quanto ganha a
direção de cada um dos hospitais entregue às OSs? Existe um padrão de
remuneração de dirigentes, de taxas de administração praticadas em cada
contrato de gestão e na remuneração do pessoal quando se comparam essas
OSs entre si? Por que assumem responsabilidades crescentes na atenção
básica, secundária e terciária em governos sob comando de diferentes
partidos políticos, especialmente do PSDB?
Viomundo – Diante desse quadro, o que acontecerá à saúde se o PLC 62 for aprovado?
Carlos Neder – Em 2010, o projeto da Dupla Porta
foi aprovado na Assembleia Legislativa. Porém, o promotor Arthur Pinto
Filho, do Ministério Público Estadual, ingressou com Ação Civil Pública
contra a medida, a pedido de entidades e movimentos da área de saúde.
Em 2012, o Judiciário nos deu ganho de causa e Alckmin teve de recuar
momentaneamente em relação à proposta de privatização dos leitos do SUS.
Porém, preocupado com a possibilidade de resultados eleitorais
desfavoráveis em 2014, o governo Alckmin tenta aproveitar a maioria
governista que hoje o apoia na Assembleia Legislativa para ampliar as
Organizações Sociais na área de saúde e estender a lei à Fundação Casa,
às Unidades de Conservação Ambientais e ao Investe São Paulo.
Amplia-se o acesso privilegiado do setor privado aos fundos públicos e
criam-se novas oportunidades de negócios não competitivos, ao invés
de estimular o surgimento de ambientes democráticos de negócios, que
favoreçam a participação de maior número de empresas na relação com o
setor público, com ênfase em pequenas e médias empresas.
A concentração dos negócios nas mãos de poucos e sem concorrência faz
todo sentido segundo modo de governar tucano, ainda mais em um cenário
de disputa eleitoral sem que tenha ocorrido a tão desejada reforma
política.
Busca-se com o PLC n.º 62/2013 salvar o essencial para o projeto
político do PSDB – que é a Lei n.º 846/2008, das Organizações Sociais,
atacada que foi na Justiça - e, de quebra, aproveitar a atual correlação
de forças para ampliar a privatização do Estado e das políticas
públicas em São Paulo, com os dividendos já sabidos.
Viomundo – Encabeçados pelo deputado Adriano Diogo, o senhor,
o deputado João Paulo Rillo, atual líder do PT na Assembleia, e demais
membros da bancada protocolaram requerimento dirigido à presidência da
Casa, pedindo que o projeto seja discutido em audiência pública. Se isso
não acontecer, o que pode ser feito?
Carlos Neder – Nós somos minoria no parlamento
estadual. Portanto, a probabilidade de revertemos a situação
praticamente não existe. Porém, a imprensa e as redes sociais podem
cumprir papel determinante na busca de novas alternativas.
Viomundo – De que forma?
Carlos Neder – Ao alertar os cidadãos sobre os
interesses envolvidos neste projeto e exercer uma pressão legítima – de
fora para dentro -, podem, ao menos, inibir esse tipo de ofensiva no
apagar das luzes do Governo Alckmin.
Assim foi com a tentativa do governo estadual de promover a fusão e
consequente extinção de fundações públicas estaduais, como a Fundap,
Cepam e Seade, hoje defendidas por intelectuais de renome, lideranças de
trabalhadores e deputados que hoje constituem a Frente Parlamentar em
Defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa e das Fundações Públicas do
estado de São Paulo.
Compare o projeto atual das OS com as leis anteriores. Em vermelho, as principais alterações
Leia também:
Alckmin vai repassar mais dinheiro ao setor privado para fazer menos hospitais Fonte: Viomundo
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