Num artigo, Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de
Economia da Faap, relembra um texto publicado por um suíço-francês logo
depois da morte de Getúlio Vargas, em 1954.
O artigo de Ricúpeto:
“Embora tenham passado 60 anos, nunca li sobre o suicídio de Getúlio
algo que se compare em qualidade interpretativa ao artigo de um
suíço-francês escrito pouco depois da tragédia. Ao ver agora o filme que
traz de volta aqueles dias, busquei o artigo e confirmei minha
lembrança: ninguém entre nós escreveu igual ou melhor.
Albert Béguin, suíço de La Chaux-de-Fonds, terra de Le Corbusier e
Blaise Cendrars, era diretor de “Esprit”, revista da esquerda
intelectual católica fundada por Emmanuel Mounier. Conhecia o Brasil por
ter sido o testamentário literário de Georges Bernanos, o romancista
católico que viveu sete anos em Barbacena. Chegou a dar cursos em Belo
Horizonte sobre existencialismo.
No número de outubro de 1954 da revista, Béguin inseriu comentário
intitulado “Do suicídio como ato político”. Começava por descartar o
clichê da imprensa francesa de que se tratasse de “uma revolução
sul-americana, um fato pitoresco e anacrônico”. Descrevia Lacerda como
um “McCarthy brasileiro [...] puritano de inteligência viva e estreita,
[que] jamais fez a menor crítica das estruturas nas quais se
desenvolveram os escândalos que denuncia”.
Sem ilusões sobre o outro lado, valorizava Vargas como político
“cínico, mas inteligente, quase o único no Brasil, além dos comunistas,
com consciência dos problemas modernos e da ascensão das massas”.
Refutava a versão do suicídio como gesto de desespero, de
aniquilamento moral ao descobrir-se mergulhado num “mar de lama”. Via,
ao contrário, certa “grandeza assustadora, um último ato político, o
único pelo qual poderia desconcertar os inimigos e arruinar-lhes o
triunfo”.
Realçava “a altura de tom e o acento de vontade inflexível” da
carta-testamento. O vocabulário e algumas paráfrases lhe pareciam
estranhamente evangélicas, mas admirava o sangue-frio de uma consciência
que, na hora da morte, se encontra totalmente voltada para o desejo de
“sobreviver na história não como uma lembrança, mas como um fermento
ativo”.
Pouco importava saber se Getúlio acreditava ser o defensor dos
humildes ou se fingiu até o fim. O que conta é que o gesto funcionou. E
descrevia como em poucas horas, ao assumir “morte romana, pagã, com
vistas a uma ação a prosseguir e uma vingança a exercer”, o Pai sacudiu a
passividade das massas, garantindo-se vitória que ninguém mais lhe
haveria de tirar.
Béguin chega a dizer que, ao convocar as massas a participar
ativamente da existência nacional, o suicídio tinha feito o Brasil
entrar no século XX. Acertou ao prever que as eleições daquele ano
mostrariam que a carta conseguira levantar as massas.
O problema, indagava, é quem seria capaz de educá-las, não levando a
sério para isso os trabalhistas ou os comunistas. Quanto aos membros do
governo do “presidente Café”, (“que nome para o primeiro magistrado do
Brasil!”, exclama), terão surpresas ao esperar restaurar os bons tempos
de outrora com o apoio de um “Exército que, não precisando preparar a
guerra, se dedica à especulação política”.
Mais de meio século depois, o que se pode de essencial acrescentar a essa análise?”
Saiba Mais: unisinos
Colado do DCM
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