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sábado, 4 de outubro de 2014

Não podemos tratar nossos vizinhos como problema, diz Marco Aurélio Garcia



Assessor especial de Dilma Rousseff para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia faz balanço da política externa dos últimos 12 anos.



Na véspera das eleições presidenciais no Brasil, Opera Mundi publica neste sábado (04/10) a primeira parte de uma entrevista exclusiva com Marco Aurélio Garcia. Assessor especial de Dilma Rousseff para Assuntos Internacionais, ele faz um balanço da política externa brasileira dos últimos 12 anos, período em que o PT (Partido dos Trabalhadores) esteve no poder.
Questionado sobre as propostas internacionais de Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), principais adversários da atual presidente na disputa eleitoral, Garcia lamenta o que ele classifica de posicionamento “profundamente ideológico”, de submissão aos Estados Unido
Garcia, considerado um dos três principais formuladores da política externa brasileira desde a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, ao lado de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, também conta que o governo foi procurado por empresários nacionais interessados em ajudar a Argentina a solucionar a crise com os fundos abutres.
“Os empresários que acham que podemos dispensar a Argentina trabalham mais com ideologia que com a realidade.”

 Leia abaixo a primeira parte da entre.vista.
Opera Mundi: O principal parceiro do Brasil na América Latina, a Argentina, está passando por problemas econômicos importantes, que chegaram a afetar o comércio externo brasileiro. O senhor acha que a presidenta Cristina Kirchner errou na condução econômica do país?

Marco Aurélio Garcia: A gente tem que renunciar esta arrogância de ter opinião sobre tudo, como fazem algumas organizações internacionais, apesar de não ter nenhuma capacidade de influenciar em nenhum dos países criticados. Temos com a Argentina uma proximidade extraordinária, a despeito de todas as idiossincrasias que possam existir de parte a parte. Nós esperamos que a Argentina possa ter um grande desenvolvimento econômico, porque é bom para nós também. A Argentina é uma democracia de intensíssima participação popular. Ela venceu no começo deste século uma crise que poucos países conseguiriam vencer, por muito menos Alemanha foi capturada pelo nazismo. Saiu disso de maneira democrática, entrou numa década de progresso como há muito tempo não vivia. A Argentina enfrentará suas dificuldades como já fez. Qualquer que seja o desfecho da disputa política que existe na Argentina, acho que a relação com Brasil será muito preservada.

OM: Reciprocamente, o senhor acha que, qualquer que seja o resultado da eleição aqui, a relação será muito preservada?

MAG: Não acho que seja. É difícil falar, porque os outros candidatos cada dia dizem uma coisa. Marina tem o programa da manhã, da tarde e da noite, e Aécio diz que vai dar um “chega para lá” na Colômbia, na Bolívia, no Peru e no Paraguai. Um candidato à Presidência da República que diz coisas como essas não tem condição de governar. Pode até pensar, mas não pode falar. E se ele pensar, está pensando errado. E sobre a Argentina, nem todo o entorno deles pensa deste jeito. Tem um grupo de empresários, que não vou citar, que está muito interessado em ajudar a Argentina na questão dos fundos abutres, inclusive nos procurou para isso, e tentamos interagir juntos. Porque eles sabem que, do ponto de vista industrial, a relação com a Argentina é essencial. Os empresários que acham que podemos dispensar a Argentina trabalham mais com ideologia que com a realidade.

OM: Estamos a poucos dias do primeiro turno, quais são as principais diferenças entre os candidatos do ponto de vista da política externa?

MAG: A diferença é que Dilma tem uma política externa. Tem que melhorar, claro que sim. Ou outros não têm. Tanto as posições do Aécio quanto as da Marina são políticas de desmanche do que foi feito até agora. Não vejo como pode fazer uma política sul-americana tratando a maioria de nossos vizinhos como problemas, ou até inimigos. Tem que fazer uma aproximação com EUA, qual aproximação? De que maneira? Eles têm uma postura profundamente ideológica, cujo primeiro elemento é a ideologia da submissão, segundo a qual não podemos subir acima das nossas chinelas.

OM: Com o cancelamento da visita de Estado que a presidente Dilma faria no ano passado a Washington, após a descoberta da espionagem norte-americana, as relações bilaterais praticamente congelaram. Como é a relação hoje do Brasil com EUA?

MAG: A qualidade de nosso relacionamento é igual ao relacionamento que nós temos com a Carpâcia, ou com a República Centro-Asiática. A diferença é que os EUA são um grande país. Nós temos que ver como resolver isso. Eu esperaria que os EUA tomassem alguma iniciativa. Quem criou o problema não fomos nós.
Nossa política externa não pode ser movida por um sentimento antiamericano, e olha que entendo este sentimento, e acho que há, na América Latina e até no Brasil, muitas razões para este sentimento antiamericano. Mas não podemos operar assim. Nem mesmo depois de episódios extremamente desagradáveis como o da espionagem. Agora, não queremos uma relação assimétrica.

OM: O Brasil pode voltar a se dobrar à estratégia dos EUA?

MAG: Não, porque vamos ganhar as eleições.

OM: E se perder? O senhor acha que uma instituição como a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) tem força suficiente para evitar uma mudança de rumo que traria, por exemplo, um novo projeto de ALCA?

MAG: Ainda não. Temos que trabalhar para dar mais consistência à Unasul. É uma promessa grande, importante, mas a Unasul tem que ser sentida pela população, o que não é o caso. Acho que existe um discurso ideológico de uma parte da elite empresarial em favor de uma coisa tipo ALCA. Mas acho que é muito mais um discurso contra o PT, o governo e os progressistas em geral, do que uma reflexão séria sobre as implicações que esta escolha teria.

OM: Um governo de direita não assinaria um acordo deste tipo?

MAG: O suicídio não é proibido por lei.

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