"O célebre Sonho,
de Jean-Paul Ritcher, é o sonho da morte de Deus [...]: não é um
filósofo nem um poeta, mas o próprio Jesus Cristo, o filho da divindade,
que afirma a não-existência de Deus. O lugar da anunciação é a igreja
de um imenso cemitério. Talvez seja meia-noite, mas como sabê-lo
realmente? O mostrador do relógio não tem números nem ponteiros e uma
mão negra traça incansavelmente, sobre essa superfície, sinais que se
apagam imediatamente e que os mortos querem decifrar em vão. No meio do
clamor da multidão das sombras, Cristo desce e diz: percorri os mundos,
subi até os sóis e não encontrei Deus algum: baixei até os últimos
limites do universo, olhei os abismo e gritei: Pai, onde estás? Porém só
escutei a chuva que caía no precipício e a eterna tempestate que não é
regida por nenhuma ordem... A eternidade repousava sobre o caos, o roía
e, ao roê-lo, devorava-se lentamente a si mesma. As crianças mortas
aproximavam-se de Cristo e lhe perguntavam: Jesus, não temos pai? E ele
responde: somos todos órfãos".
[...]
"O
universo não é um mecanismo, mas uma imensidade informe agitada por
movimentos, aos quais não é exagero chamar-se passionais: essa chuva que
cai desde o príncípio sobre o abismo sem fim e essa tempestade perpétua
sobre a paisagem da convulsão são a própria imagem da contingência".
[...]
"A
filosofia havia concebido um mundo movido, não por um criador, mas por
uma ordem inteligente; para Jean-Paul e seus descendentes, a contigência
é uma consequência da morte de Deus: o universo é um caos porque não
tem criador".
Octavio Paz, Os Filhos do Barro
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