Parte da
ineficácia na política brasileira de segurança pública – cuja escalada dos
assassinatos em São Paulo é apenas o último episódio – vem do fato de que, em todos os estados da
federação, há duas polícias, uma civil e uma militar, com funções muitas vezes
sobrepostas. Como já apontaram vários especialistas, o fim dessa dualidade seria
uma condição necessária para o combate mais efetivo ao crime e o
aperfeiçoamento democrático do país.
O que ocorre no Brasil é uma
excrescência. A Polícia Civil exerce função de polícia
judiciária; a ela compete fazer investigações depois da ocorrência dos crimes. Os delegados são os responsáveis pelo
inquérito policial; eles têm que ouvir testemunhas, obter provas e chegar
ao autor do delito. Depois disso, o inquérito é mandado para o Ministério
Público e para a Justiça. Já à Polícia Militar é uma força preventiva, encarregada do policiamento ostensivo
e da repressão ao crime.
A Polícia Civil já existia na época do Império, nas antigas províncias, com as mesmas funções investigativas, enquanto cabia ao Exército a repressão. Uma das razões da queda da monarquia, aliás, foi a recusa do Exército em servir como “capitão do mato” para capturar escravos foragidos das fazendas. Com a instalação da República, em 1889, as províncias se constituíram em Estados autônomos e seus governadores, representantes das oligarquias locais, montaram pequenos exércitos estaduais, as chamadas “Forças Públicas” ou “Brigadas”, que depois se transformaram na Polícia Militar.
A Força Pública de SP era um verdadeiro Exército |
Em
São Paulo, berço da oligarquia dominante no país
durante a República Velha, a Força Pública foi formada pela Missão Militar
Francesa, que somente muito depois treinaria o Exército nacional. A FP de São
Paulo tinha armamentos pesados e até blindados e esse poder de fogo conferiu a
ela um protagonismo militar nas revoluções de 1924, 1930 e 1932. Somente durante
o Estado Novo as polícias estaduais foram submetidas ao poder central. Com a
redemocratização de 1946, elas novamente voltaram ao poder dos Estados. A ditadura
militar instalada em 1964 pôs as PMs como força auxiliar do Exército,
militarizando-as e colocando-as sob o comando de oficiais superiores da força
de terra (coronéis ou tenentes-coronéis). E a Constituição de 1988 não
conseguiu mudar essa herança.
Na ditadura, a PM fez sua opção preferencial por pretos e pobres |
Uma das consequências mais graves dessa militarização
foi o fato de policiais
militares passarem a ser julgados por tribunais militares próprios,
subordinados aos governos estaduais. Isso favoreceu, dentre outros efeitos
colaterais, a impunidade, a corrupção e a formação de grupos de extermínio, como
os esquadrões da morte. A violência policial e a tortura como método,
principalmente contra as “classes perigosas”, se tornou marca registrada da iniqüidade
nacional. A sensação de impunidade policial também deu lugar a greves armadas
contra os governos estaduais como forma de pressão trabalhista, como aconteceu este
ano na Bahia.
Os Carabinieri da Itália: policiais comuns |
Polícias
militares não são exclusivas do Brasil; Alemanha, França, Itália, Espanha,
Argentina, Chile, entre outros, têm suas forças policiais militarizadas: a
Gerdarmerie; os Carabineiros; a Guarda Civil, a Polícia Federal etc. Em muitos
desses países, as polícias militares cumprem papéis de investigação e coerção.
Mas em todos eles, sem exceção, a polícia militar é uma força nacional,
submetida ao poder central; o único país em que uma força militarizada é
subordinada a governos locais é o Brasil, o que constitui uma ameaça potencial de
estados ao governo federal. Nos EUA, por exemplo, são os prefeitos
quem comandam a polícia, que é uma só e é civil, embora os policiais possam
andar fardados e a instituição ter alguma hierarquia militar.
Violência, traço distintivo da PM militarizada |
Depois da ditadura houve várias tentativas de unificar as polícias no Brasil, mas elas só ficaram no papel. O ex-governador
paulista Mário Covas encabeçou a última delas. Mas ninguém parece ser capaz de
vencer as resistências fortíssimas de ambas as polícias; a civil reluta na
mudança porque ela não quer transferir ao Ministério Público a competência da
investigação. Já a PM teme que, a exemplo do que acontece na França, Itália e
Portugal, a unificação resulte no fim dos tribunais militares, que hoje
permitem aos policiais militares brasileiros, em caso de prática de crimes, serem
julgados por estes tribunais e não pela justiça comum.
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