A inovação jurídica criada pelo advogado alemão Claus Roxin foi deturpada no julgamento do mensalão.
E então falemos sobre a chamada teoria do domínio do fato, tão
citada pelos integrantes do STF no julgamento do mensalão – e tão
desrespeitada.
Vamos, primeiro, a um exemplo prático da aplicação da TDF. O
ex-presidente peruano Alberto Fujimori está na cadeia por causa dela. Em
julho de 1992, nove estudantes e um professor da Universidad Cantuta
foram executados por militares.
Eles eram suspeitos de terrorismo. Descobriu-se, num julgamento iniciado
11 anos depois, em 2003, que o então chefe do Serviço Nacional de
Informações, general Julio Salazar Monroe, estava por trás dos
assassinatos em Cantuta.
Foi provado também que o general agia sob ordens diretas do presidente
Fujimori. Salazar informava-o sobre todas as atividades de extermínio de
pessoas suspeitas de serem inimigas do regime.
Nem Salazar e nem Fujimori apertaram o gatilho em Cantuta. Mas o general
dera a ordem para a matança, e o presidente a aprovara. Foi invocada a
teoria do domínio dos fatos, a TDF, e ambos foram processados e
condenados a longas penas.
TDF é uma inovação do jurista alemão Claus Roxin, 81 anos. O objetivo de
Roxin era castigar chefes nazistas que, mesmo sem ter matado
diretamente, estiveram por trás de chacinas.
O STF usou o conceito de Roxin para punir José Dirceu e José Genoíno.
Eles, pela posição que ocupavam no PT, deveriam saber de tudo.
Mas existe uma diferença fundamental entre o Caso Fujimori e o Caso
Dirceu e Genoíno. Havia provas de que Fujimori sabia das execuções
comandadas pelo chefe do SNI. E não há provas de que Dirceu e Genoíno
soubessem do alegado pagamento a parlamentares. O que há são suposições.
Essa diferença é grande como uma pirâmide. E passará para a história
como uma nódoa para o STF, com a conspícua exceção de Lewandowski.
Curiosamente, quem alertou para a diferença foi o próprio Caxin, numa
rápida entrevista que ele concedeu à Folha de S. Paulo. Apenas na
internet a fala de Caxin repercutiu, o que mostra a forma enviesada como
desde o início o julgamento vem sendo coberto pela grande mídia. Nem a
própria Folha aprofundou o assunto.
Não vou dizer que fiquei perplexo, porque perplexidade é coisa de tolos, mas fique registrada aqui minha surpresa.
Primeiro: como os integrantes do STF utilizaram de forma tão indevida a
TDF? Depois: como a defesa dos réus foi tão inepta para não ver isso e
denunciar a gambiarra jurídica feita para dar sustentação, aspas, às
condenações?
Em sua ingenuidade germânica, Roxin disse que a justiça não deveria se
curvar à “opinião pública” quando não existem provas por trás da TDF,
mas sim respeitar o “direito”.
Ele provavelmente imaginava que a opinião pública brasileira clamava
pelo castigo aos réus do mensalão. As recentes eleições, que
simplesmente coincidiram com o julgamento, mostram a real opinião
pública. O clamor estava e está não nas ruas, mas nas salas monumentais
dos donos das grandes empresas de mídia – que têm agido, e não é de
hoje, não como barões mas como coronéis.
Eles retardam o combate ao maior mal do Brasil – a desigualdade social. O
Brasil tem que caminhar na direção do capitalismo escandinavo, que
produz as pessoas mais felizes do mundo. Mas as corporações
jornalísticas fazem o possível para evitar isso, não no interesse
público – mas na defesa encarnecida e amoral dos próprios privilégios.
Defendo vigorosamente o capitalismo — mas não como este que está aí no
Brasil. Invoco Adam Smith, o pai do capitalismo: “O impulso em admirar,
e quase venerar, os ricos e os poderosos, e desprezar ou, ao menos,
negligenciar pessoas pobres é a maior e mais universal causa da
corrupção dos nossos sentimentos morais”.
O capitalismo brasileiro tem que ser defendido de capitalistas como os donos da mídia.
Por: Paulo Nogueira
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