Enterro de civis muçulmanos alcançados pelos drones |
Quando a opinião pública dos Estados Unidos vai dizer basta para a matança de inocentes?
Medea Benjamin, 60 anos, escritora americana, é cofundadora do Codepink,
um grupo de defesa dos direitos humanos. Ela tem se batido
particularmente, nos últimos tempos, contra os drones — os aviões de
guerra que não têm tripulação.
No dia 29 de maio, o New York Times publicou uma análise profunda sobre o papel do presidente Obama em relação à autorização dos ataques feitos pelos drones americanos no exterior, particularmente no Paquistão, no Iêmen e na Somália. É de arrepiar ver a fria e macabra facilidade com a qual o presidente e seu pessoal decidem quem irá viver e quem irá morrer. O destino de pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância é decidido por um grupo de americanos, eleitos ou não eleitos, que não falam sua linguagem, não conhecem sua cultura, não entendem seus motivos e valores. Embora afirmem representar a maior democracia do mundo, os líderes americanos estão colocando, em uma lista de pessoas para serem mortas jovens que não têm a oportunidade de se render e certamente não têm também a oportunidade de serem julgadas em um tribunal.
Quem está fornecendo ao presidente e seus assessores uma lista de
suspeitos de terrorismo entre os quais devem escolher os que serão
mortos, aleatoriamente? O tipo de informação usado para colocar as
pessoas nas listas é o mesmo tipo de informação usado para colocar
pessoas em Guantânamo. Lembre-se de como o público americano foi
assegurado de que os prisioneiros trancafiados em Guantânamo eram “os
piores de todos”, só para descobrir depois que centenas deles eram gente
inocente que tinha sido vendida para o exército americano por caçadores
de recompensa.
Sendo assim, por que razão o público deveria acreditar no que o governo de Obama diz sobre as pessoas que estão sendo mortas por drones? Especialmente tendo em vista que, como vimos no New York Times, o governo apareceu com uma solução para fazer com que a taxa de morte de civis fosse a menor possível: simplesmente considerar homens com determinada idade – aquela em que podem estar com guerreando — como inimigos. A alegação é que “pessoas em uma área onde há uma atividade terrorista recorrente, ou encontradas com um um militante de alto escalão da Al-Qaeda, certamente possuem más intenções”. Ao menos quando Bush atirou militantes suspeitos em Guantânamo, suas vidas foram poupadas.
Em acréscimo às listas de morte, Obama concedeu à CIA a autoridade de matar com ainda maior facilidade, usando ataques baseados unicamente em comportamento suspeito. Homens dirigindo caminhões com fertilizantes podem ser fabricantes de bombas – mas também podem ser fazendeiros.
Harold Koh, assessor jurídico de Obama, insiste em que essa matança é
legal sob a lei internacional porque os Estados Unidos têm direito à
autodefesa. É verdade que todas as nações possuem o direito de se
defender, mas a defesa deve ser contra um ataque iminente e esmagador
que se aproxima e não há tempo para um momento de deliberação.
Quando a nação não está em um conflito armado, as regras são ainda mais rigorosas. A matança só pode acontecer quando é necessária para proteger a vida e quando não há outros meios, tais como a captura ou a incapacitação não-letal, para prevenir a ameaça à vida. Fora de uma zona ativa de guerra, então, é ilegal o uso de drones, que são armas de guerra incapazes de capturar um suspeito vivo.
Pense no precedente que os Estados Unidos estão fixando com sua
doutrina de mate-não-capture. Se a justificativa americana fosse
aplicada por outros países, a China poderia declarar que um ativista da
etnia uigur que vive em Nova York é um “combatente inimigo” e lançar um
míssil em Manhattan; a Rússia poderia afirmar que é perfeitamente legal
iniciar um ataque de drone contra alguém que vive em Londres, se
suspeitarem que a pessoa em questão tem algum tipo de ligação com
militantes chechenos.
Ou considere o caso de Luis Posada Carriles, um cubano naturalizado venezuelano que vive em Miami, um terrorista condenado por ter planejado, em 1976, um bombardeio em um avião cubano. Carriles matou 73 pessoas. Levando-se em conta o fracasso do sistema jurídico dos Estados Unidos, o governo cubano poderia alegar que tem direito de mandar um drone para o centro de Miami para matar um terrorista confesso e inimigo jurado.
Um antigo diretor da CIA afirmou que a estratégia de usar drones é “perigosamente sedutora”, porque o custo é pequeno, não implica em baixas no exército e tem um aspecto de resistência. “Ela é útil para o mercado interno”, ele disse, “e é impopular em outros países. Qualquer dano no interesse nacional só aparece a longo prazo”.
Mas um artigo publicado no Washington Post mostra que o dano
não é a longo prazo, e sim imediato. Após entrevistar mais de vinte
líderes tribais, parentes de vítimas, ativistas de direitos humanos e
oficiais de Iêmen do sul, o jornalista Sudarsan Raghavan concluiu que os
ataques estão radicalizando a população local e aumentando a simpatia
pela al-Qaeda e por seus militantes. “Os drones estão matando os líderes
da al-Qaeda”, disse Mohammed al-Ahmadi, coordenador de um grupo local
de direito humanos, “mas também estão os transformando em heróis”.
Até mesmo o artigo do New York Times reconhece que o Paquistão e o Iémen estão menos estáveis e mais hostis aos Estados Unidos desde que Obama se tornou o presidente e desde que os drones se tornaram um petulante símbolo do poder americano atropelando a soberania nacional e assassinando inocentes.
Shahzad Akbar, um advogado paquistanês que está processando a CIA a
favor das vítimas dos drones, diz que já é hora de o povo americano se
pronunciar. “Você pode confiar em um programa que existe há oito anos,
escolhe seus alvos em segredo, não enfrenta qualquer responsabilidade e
que matou, apenas no Paquistão, quase três mil pessoas cuja identidade é
desconhecidas pelos seus assassinos?”, ele pergunta. “Quando as
mulheres e crianças do Paquistão são mortas com mísseis, os
paquistaneses acreditam que é isso que o povo americano quer. Eu
gostaria de perguntar para os americanos, ‘é isso?’”
TEXTO TRADUZIDO POR CAMILA NOGUEIRA
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