Jean Monnet: sonho iluminista |
A União Europeia foi um dos projetos mais
ambiciosos para conjurar os conflitos nacionalistas que, entre os séculos XIX e
XX, ensanguentaram o solo do velho continente. O erro dos europeus – percebido por
Charles De Gaulle e outros - foi atrelar esse sonho europeísta à esfera de
influência dos EUA, o chamado atlantismo. O quadro se agravou com o fim da
Guerra Fria, particularmente a partir dos acordos de Maastricht de 1992, que
buscavam conter o poderio da Alemanha unificada pela adoção da moeda única. Com
isso, a utopia de Jean Monnet e Robert Schumann se transformou num projeto cujo
principal beneficiário foi o capital financeiro. A adoção da moeda única em países
tão díspares como Alemanha, França, Grécia, Portugal e Espanha acabou por
fortalecer os primeiros e enfraquecer os últimos, que não podiam recorrer à
desvalorização cambial para fazer face à alta competitividade dos alemães. As graves
consequências desse modelo estão sendo sentidas agora com a resposta ortodoxa à
crise fiscal que se abateu sobre a Europa, que já deixou, até agora, 25 milhões
de desempregados.
Que o comitê norueguês do Nobel,
responsável pelo Nobel da Paz, tenha dado o prêmio à União Européia nestas
circunstâncias é um sinal do quão esvaziado do sentido original se tornou essa
honraria. Além da imposição de políticas de austeridade que levam as populações
de vários países europeus ao desespero e à revolta, a União Europeia sequer manteve
a paz no continente nos últimos 60 anos, como alardeia a propaganda oficial. Trata-se
de uma meia verdade; se não houve conflitos entre Alemanha e França, os rivais
do passado, a UE foi incapaz de impedir as guerras civis dos Bálcãs, que
tiveram início há 20 anos e causaram a maior carnificina na Europa depois da II
Guerra Mundial.
Sarajevo bombardeada: inércia da Europa levou à intervenção da Otan |
Além disso, a União Europeia não tem feito
nenhum esforço pela desmilitarização do continente; ao contrário, apóia a OTAN
(aliança militar ocidental liderada pelos EUA), que foi responsável pelas invasões
do Iraque e do Afeganistão e por intervenções irresponsáveis, como na Líbia. Bruxelas
também apóia a política das armas nucleares dos EUA, estacionadas em seis países
europeus, e a venda de armas de Estados europeus para países de todo o mundo. Como
se tudo isso não bastasse, os países europeus tornam-se a cada dia mais xenófobos,
propensos a adotar medidas repressivas e discriminatórias contra imigrantes.
Heráclito de Éfeso: vir a ser |
Mas talvez haja uma explicação. Assim
como em 2009 os noruegueses premiaram antecipadamente o então recém-empossado presidente
americano Barack Obama, agora eles galardeiam a União Européia não pelo que ela
é, mas pelo que ela poderá vir a ser. Eles acreditam que o projeto da União
ainda possa ser salvo e aprofundado. É uma aposta mais temerária do que a
aposta de Pascal. Vai ver a academia virou discípula de Heráclito, cujo “vir a
ser” dialético se contrapunha ao “ser imutável” de Parmênides...
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