A volta do filho (de papai) pródigo ou a parábola do roqueiro burguês
Nem todo direitista é derrotista, mas todo derrotista é direitista.
Reparem no capricho do léxico: as duas palavras são quase idênticas.
Ambas têm dez letras, soam similares e até rimam.
Se você tem dúvida se
alguém é de direita observe essas características. Começou a falar mal
do Brasil e dos brasileiros, a demonstrar desprezo por tudo daqui, a
comparar de forma depreciativa com outros países, é batata.
Derrotista/direitista detectado.
Temos hoje no Brasil duas personalidades célebres pelo derrotismo
explícito e pelo direitismo não assumido: os roqueiros Lobão e Roger
Moreira, do Ultraje a Rigor. Eu ia citar também Leo Jaime, outro
direitoso do rock nacional, mas não posso classificá-lo como um
derrotista típico –fora isso, no entanto, cabe perfeitamente no figurino
que descreverei aqui. Os três são cinquentões: Lobão tem 57, Roger, 56
e Leo, 52.
Da geração dos 80, Lobão sempre foi meu favorito. Eu simplesmente amo suas canções. Para mim, Rádio Blá, Vida Bandida, Vida Louca Vida e Decadence Avec Elegance são clássicos. Além de Corações Psicodélicos,
em parceria com Bernardo Vilhena e Julio Barroso, ai, ai… Adoro. E não
é porque Lobão se transformou em um reacionário que vou deixar de
gostar. Sim, Lobão virou um reaça no último. Alguém que voltasse agora
de uma viagem longa ao exterior ia ficar de queixo caído: aquele
personagem alucinado, torto, jeitão de poeta romântico, que ficou preso
um ano por porte de drogas, se identifica hoje com a direita
brasileira mais podre.
Não me importa que Lobão critique o PT ou qualquer outro partido. O que
me entristece é ele ter se unido ao conservadorismo hidrófobo para
perpetrar barbaridades como a frase, dita ano passado, em tom de
pilhéria: “Há um excesso de vitimização na cultura brasileira. Essa
tendência esquerdista vem da época da ditadura. Hoje, dão indenização a
quem seqüestrou embaixadores e crucificam os torturadores, que
arrancaram umas unhazinhas”. No twitter (@lobaoeletrico), se diverte
esculhambando o país e os brasileiros, sempre nos colocando para baixo.
“Antigamente éramos um país pobre e medíocre… terrível. Hoje em dia
somos um país rico e medíocre… pior ainda”, escreveu dia desses.
Os anos não foram mais generosos com Roger Moreira, do Ultraje. O cara que cantava músicas divertidíssimas como Nós Vamos Invadir Sua Praia, Marylou ou Inútil
virou um coroa amargo que deplora o Brasil e vive reclamando de
absolutamente tudo com a desculpa de ser “contra os corruptos”. É um
daqueles manés que vivem com a frase “imagine na Copa” na ponta da
língua para criticar o transporte público, por exemplo, sem nem saber o
que é pegar um ônibus. Os brasileiros, segundo Roger, são um “povo
cego, ignorante, impotente e bunda-mole”. Sofre de um complexo de
vira-lata que beira o patológico. Ao ver a apresentação bacana dirigida
por Daniela Thomas ao final das Olimpíadas de Londres, tuitou,
vaticinando o desastre no Rio em 2014: “Começou o vexame”. Não à toa,
sua biografia na rede social (@roxmo) é em inglês.
Muita gente se pergunta como é que isso aconteceu. O que faz um
roqueiro virar reaça? No caso de ambos, a resposta é simples. Tanto
Roger quanto Lobão são parte de um fenômeno muito comum: o sujeito
burguês que, na juventude, se transforma em rebelde para contrariar a
família. Mais tarde, com os primeiros cabelos brancos, começa a brotar
também a vontade irresistível, inconsciente ou não, de voltar às
origens. Aos poucos, o ex-revoltadex vai se metamorfoseando naqueles que
criticava quando jovem artista. “Você culpa seus pais por tudo, isso é
um absurdo. São crianças como você, é o que você vai ser quando você
crescer” – Renato Russo, outro roqueiro dos 80′s, já sabia.
O carioca Lobão, nascido João Luiz Woerdenbag Filho, descendente de
holandeses e filhinho mimado da mamãe, estudou a vida toda em colégio de
playboy, ele mesmo conta em sua biografia. O paulistano Roger estudou
no Liceu Pasteur, na Universidade Mackenzie e nos EUA. Nada mais
natural que, à medida que a ira juvenil foi arrefecendo – infelizmente
junto com o vigor criativo – o lado burguês, muito mais genuíno, fosse
se impondo. Até mesmo por uma estratégia de sobrevivência: se não
estivessem causando polêmica com seu direitismo, será que ainda
falaríamos de Roger e Lobão? Eu nunca mais ouvi nem sequer uma música
nova vinda deles. O Ultraje, inclusive, se rendeu aos imbecis politicamente incorretos e virou a “banda do Jô” do programa de Danilo Gentili.
Enfim, incrível seria se Mano Brown ou Emicida, nascidos na periferia
de São Paulo, se tornassem, aos 50, uns reaças de marca maior. Pago
para ver. Mas Lobão e Roger? Normal. O bom filho de papai à casa torna. A
família deles, agora, deve estar orgulhosíssima.
Cynara Menezes
No Socialista Morena
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