O juiz espanhol Baltasar Garzón |
Baltasar Garzón ficou
mundialmente conhecido por ter ordenado a prisão do ex-ditador chileno Augusto
Pinochet em 1998, quando ele estava em viagem a Londres, pela tortura e morte
de cidadãos espanhóis no Chile. Pinochet ficou um ano em prisão domiciliar, mas
conseguiu voltar ao Chile.
Depois disso, contudo, com os brios feridos, a
Justiça chilena pegou nos pés do ex-ditador e seus dias de sossego se acabaram,
embora Pinochet tenha morrido sem ter sido condenado. Depois, Garzón denunciou
vários militares argentinos pelo mesmo motivo. Em 2001, o juiz pediu permissão
ao Conselho da Europa para processar o então premiê italiano Silvio Berlusconi.
Criticou os EUA pela prisão ilegal de suspeitos de terrorismo na base de
Guantánamo (Cuba). Também investigou atividades de grupos paramilitares e
terroristas espanhóis, bem como casos de corrupção no sistema financeiro.
Finalmente, o que ele acredita ter sido a gota d’água, Garzón queria abrir um
processo para investigar os crimes cometidos pela ditadura de Francisco Franco
(1939-1975). O ativismo do magistrado incomodou profundamente os setores
conservadores e até os socialistas espanhóis; PSOE e PP chegaram a planejar uma
reforma judiciária para limitar suas atividades. Em fevereiro deste ano, Garzón
foi suspenso de suas funções por 11 anos, acusado de abuso de poder numa
investigação sobre um escândalo financeiro. Recentemente, ele aceitou defender
o ativista Julian Assange, criador do Wikileaks, atualmente refugiado na
embaixada do Equador em Londres e cuja extradição é pedida ela Suécia e pelos
EUA. Aqui, trechos de uma entrevista de Baltasar Garzón ao El País.
El Pais – Por que você vai coordenar a defesa de
Assange? Que impressão ele lhe causou?
Julian Assange |
Baltasar Garzón – Ele é muito diferente das imagens que eu tinha visto. Eu encontrei uma
pessoa muito firme em suas convicções, em sua defesa da liberdade de imprensa,
expressão e informação. Vi-o muito tranquilo, apesar da situação de risco para
sua saúde física e mental. Eu vi que ele não tem medo de ser julgado, mas quer
que o processo seja feito com garantias. Ele está sendo investigado por algo
diferente do que se diz. Eu assumi a defesa dele pro bono, sem cobrar nada,
porque eu acredito na sua inocência e em sua causa. Para mim é óbvio que o
pedido da Suécia [reclamá-lo para interrogatório sobre alegações de abuso
sexual e estupro] é a desculpa para julgá-lo em os EUA por divulgar
informações que afetam as instituições americanas em um processo semelhante ao
que acontece, infelizmente, na área de terrorismo. A confiabilidade do presente
acórdão é nulo. Assange não teria um julgamento justo em os EUA, porque não haveria
um julgamento por delitos reais, mas uma retaliação política por causa das
informações que ele vazou. Se não lhe concedem asilo, pediremos aos tribunais
internacionais que garantam seus direitos.
EP – Vai participar da defesa de Manning, o soldado do
Pentágono acusado de alta traição por vazar os telegramas da Wikileaks?
BG – Eu não conheço
Manning. Você não pode falar com ele porque ele é sofreu uma espécie de
sequestro legal, em uma situação realmente dramática, em confinamento solitário
e submetido a abuso físico e psicológico. Seus advogados vão apresentar uma
queixa de tortura.
EP – Assange colocou as pessoas em perigo, publicando
milhares de telegramas diplomáticos sem esconder as fontes?
BG – Houve
uma contenção nessas publicações e um dos problemas que Assange enfrenta agora é
precisamente o de não ter publicado todas as informações que tinha. Nós tememos
por sua segurança porque se intui que aqueles cujas informações não foram
divulgadas podem fazer de tudo para evitar isso. Os fatos dos quais tivemos
conhecimento por meio do Wikileaks não são eventos importantes que pudessem
mudar a humanidade, mas sim fatos corriqueiros, sujos e de baixo nível
político. Eu me envergonho dessas informações, que desmontam a pretensão de
grandeza de serviços de informações e diplomatas. Acho que o Wikileaks deverá
contribuir para uma reformulação profunda desses serviços do jeito que estavam,
num momento em que a guerra fria já está distante.
EP – Foi surpresa encontrar naqueles telegramas tentativas
dos EUA para impedir a Justiça investigar os casos de Guantánamo e os voos da
CIA com a ajuda dos políticos e promotores espanhóis?
BG – Foi
triste descobrir que há pessoas que preferiram fazer isso em vez de trabalhar seriamente
para a Justiça. Quem fez, um dia terá que explicar o porquê. Causou indignação
ao ver que um país amigo e democrático fez esse tipo de interferência, típico
de outros períodos históricos.
[...]
EP – Você se considera uma vítima (de perseguição
política)?
BG – Objetivamente,
eu sou uma vítima de uma injustiça, mas subjetivamente eu não me sinto assim,
porque eu sabia o terreno em que eles jogavam. Eu sabia que isso poderia
acontecer. Eles eram obcecados comigo. Eles queriam a minha morte civil. Pensaram:
“Garzón se acabou. Este é o momento”. Eles queriam matar um tipo específico de
juiz que eu era, que eles não gostavam, por ciúme, inveja, por muitas dessas
coisas que acompanham tanto os espanhois. Eu sempre procurei, dentro e fora de
Espanha, defender a Justiça espanhola e aqueles que a administram. Eu nunca, ao
contrário de muitos outros, desonrei a Justiça e por isso me doía e me dói ter
que ficar me explicando. Fora da Espanha, ninguém entende. Nesse ponto, eu não
acho que mesmo eles entendem a razão. Eu sei. Sei que não era uma razão jurídica.
Me dá pena, sinto vergonha como um cidadão espanhol, como um juiz, de que isso tenha
acontecido. A nenhum juiz desejo que aconteça o mesmo, muito menos por razões
obscuras.
EP – Como interpreta essa situação?
O fantasma do franquismo ainda paira sobre a Espanha |
BG – (Fui
condenado por) questões que afetavam pontos nevrálgicos. O franquismo fez muito
mal porque ele ainda não foi ultrapassado e há um segmento da população,
especialmente da política, que não quer tocar nestas questões, e o que menos lhes
importam são as vítimas. Esse foi o que detonou minha condenação. (...) Houve
pessoas como Federico Trillo que, por determinação do PP, coordenaram ataques
contra mim em todos os níveis, com clara incidência sobre certos setores
judiciais. A mim me prejudicaram, isto está claro: tiraram minha profissão, me
expulsaram. Mas eu vou continuar lutando enquanto me restar uma gota de alento,
porque eu acho que devo isso à função de magistrado, à Justiça.
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