Em junho, Eliana
Calmon recebeu moradores e advogados do Pinheirinho. Todos estão
surpresos com a decisão de ela arquivar a ação, logo após ter cobrado
explicações dos juízes.
Foto: Arquivo pessoal |
Seis dias após a Corregedoria Nacional de Justiça decidir cobrar
explicações dos juízes envolvidos na violenta desocupação do
Pinheirinho, em São José dos Campos, SP, a ministra Eliana Calmon mandou
arquivar tudo nessa sexta-feira 24. A Corregedoria é um dos órgãos do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Calmon é a Corregedora Nacional de
Justiça.
Em 16 de junho, advogados e representantes de entidades de defesa dos
direitos humanos estiveram em Brasília com Eliana Calmon para entregar a
reclamação disciplinar (é o nome técnico da representação), assinada
por vários juristas, contra:
Ivan Sartori, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)Cândido Além, desembargador do TJ-SPRodrigo Capez, juiz da presidência TJ-SPMarcia Faria Mathey Loureiro, juíza da 6ª Vara Cível de SJCLuiz Beethoven Giffoni Ferreira, juiz da 18ª Vara Cível do Fórum Central João Mendes
A representação visava à apuração das responsabilidades disciplinares deles na desocupação do Pinheirinho.
Em 16 de agosto, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou a notificação dos cinco magistrados, para prestar esclarecimentos sobre acusações que constam contra eles na representação. Deu prazo de 15 dias, para a decisão ser cumprida.
Porém, nessa sexta-feira 24, a Corregedora Nacional de Justiça, voltou
atrás, mandando arquivar a ação. Na sua decisão, a ministra Eliana
Calmon argumenta:
Observa-se que a competência fixada constitucionalmente para este
Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo e
financeiro do Poder Judiciário, não podendo ocorrer à intervenção em
conteúdo de decisão judicial para corrigir eventual vício de
ilegalidade ou nulidade.
Assim, quanto ao mérito dos atos realizados no curso do processo, a
parte deve valer-se dos meios recursais próprios, ainda que
caso-a-caso, não se cogitando da intervenção deste Conselho.
Com isso, nos termos em que posta à questão, o pedido realizado pelo
reclamante não possui condições de prosperar, pois estão relacionados
ao exame de matéria eminentemente jurisdicional.
“É incompreensível. Há seis dias saiu um despacho dando andamento à
representação e mandando intimar os magistrados responsáveis”, observa,
atônito, Marcio Sotelo Felippe, procurador do Estado de São Paulo. “O
que houve nesse tempo?”
“Como é possível que a barbárie do Pinheirinho se resolva
disciplinarmente com um despacho burocrático?”, ainda mais atônito, ele
continua. “A ministra Calmon, que é vista pela mídia tradicional como
paladina da moralidade, deve uma explicação à sociedade.”
Também muito surpresa está Camila Gomes de Lima, que integra um grupo
de advogados amigos do Pinheirinho. Para ela, o despacho da ministra
Calmon é muito genérico.
“Não analisou individualização das condutas de cada juiz nem os relatos
sobre extrapolamento das competências. Até o nosso pedido, de cunho
mais geral, para que o CNJ reflita e emita resolução sobre o tratamento
judicial dos conflitos fundiários, ficou sem resposta”, atenta a
advogada. “Simplesmente disse arquive-se! Agora, se todo requerimento
administrativo tem de ser devidamente respondido, que dirá um
requerimento para órgão de controle como o CNJ!”
“Nós sabemos que é um caso complexo, que tramitou por mais de oito anos
e repercutiu na vida de mais de 6 mil pessoas”, argumenta Camila. “Mas
vamos insistir, porque é um caso emblemático e sobre o qual o CNJ deve
se debruçar, sim, para averiguar a fundo a lisura dos cinco
magistrados envolvidos, se agiram em conformidade com os seus deveres
funcionais, com o código de ética da magistratura. Isso é competência do
CNJ.”
“Nós fomos à ministra Eliana Calmon, pois a Corregedoria Nacional de
Justiça é responsável por receber esse tipo de denúncia”, ressalta
Camila. “Agora, como a reclamação disciplinar não foi aceita, nós vamos,
via recurso, para plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
integrado por todos os conselheiros, inclusive a ministra Calmon. A
Comunidade do Pinheirinho não é de desistir, vai insistir.”
Antonio Ferreira, um dos advogados dos moradores do Pinheirinho, também
lamenta o despacho da corregedora: “Nós vamos recorrer, sim, ao
plenário do CNJ. Os cinco juízes têm, de, no mínimo, explicar por que
passaram por cima das leis, do estado de Direito. Não há toga acima da
lei”.
Para Cezar Britto, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB
Nacional) e advogado da Comunidade do Pinheirinho, a decisão pelo
arquivamento reflete o ponto de vista de um dos julgadores do CNJ, não
do órgão colegiado.
“Como são violações aos princípios de direitos humanos e aos deveres
funcionais dos magistrados, insistiremos na reapreciação da matéria
agora de forma mais coletivizada”, fundamenta Cezar Britto. “A
corregedora apenas afastou a apreciação sob o ângulo da ausência de
competência do CNJ, não analisando seu mérito. É o mérito, porém, que
comprova as denúncias apresentadas”.
Imagem emblemática da barbárie de 22 de janeiro de 2012. O massacre do Pinheirinho completou sete meses. Os mais de 6 mil moradores perderam tudo. Ninguém foi punido |
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