(Crônicas
de Minas) - Devo tudo o que sou, e olhem que não sou pouca coisa, ao
velho Sabinho, criador de jias, fabricante de gaiolas e mercador de
passarinhos, no Brejo Escuro. Pai de Carola, viúvo da benzedeira
Gertrude e jagunço enrustido. Sabinho é isso mesmo, sabidozinho. Criava
jias, para não dar na vista de seu ofício sério. E muito estranho, não
usava revólver, nem faca. Dava outros jeitos. Era criativo. “Tudo que a
gente faz, deve ter gosto e arte”. E assim era. Inventou um jeito de
cruzar jia-pimenta com jia-boluda, que pesava mais e tinha gosto de
cascudo com frango. Suas gaiolas eram cada uma diferente da outra. Fazia
gaiola que parecia castelo, tão cheia de torres e outras nove-horas;
tinha gaiola com jeito de igreja e até uma – própria pra cardeal
cantador – com jeito do Palácio do Catete.
“Cada sujeito deve morrer de um jeito
diferente, dependendo da safadeza que fez, e olhe que eu só cuido de
canalha. Gente boa, pra mim, é santo”. Armava alçapões para pegar
passarinhos do mesmo jeito que montava suas arapucas pra caçar os
grambaus. Não sei dizer de onde ele tirou essa palavra para as suas
vítimas.
Pressenti, naquele domingo, depois da missa, que ele me
colocara na sua lista de grambaus. Foi o jeito que ele me olhou.
Eu
estava inocente: dera de bobo e desinteressado, quando Carola abriu o
jogo. Estava, como se diz, “a fim”. Esqueci do caso da mulher de
Putifar; se tivesse me lembrado, ficaria também “a fim”. Carola, não
sendo casada com Putifar, e estando ofendida com minha covardia (foi por
medo que não a levei ao rio), deve ter contado o caso para o pai.
Pronto: passei à categoria de grambau.
Tratei logo de botar água no visgo de
Sabinho. Aleguei negócio urgente na capital, e viajei pro Morro Triste.
Arranjei um barraco, botei lá minhas coisas, e mandei um recadeiro
positivo avisar a Carola que estava “a fim”. Ela chegou de tardezinha,
meio ressabiada, sinal de que eu estava certo. Abri uma garrafa de vinho
doce – ela adorava vinho doce – e taquei no copo três comprimidos
daqueles dos bons. Ela dormiu, e eu fiquei de olho aceso e ouvido
esperto.
Foi então que ouvi o barulho do chocalho. Percebi logo:
cascavel ensinada. Com jeitinho, e jeitinho eu tenho, agarrei a bicha
pelo pescoço, e a enfiei no pote vazio e de boca larga, tampei bem,
deixei passar um bom tempo, simulei certos ruídos de prazer. Depois, dei
um urro de dor. Foi a tempo de Sabinho olhar pela fresta da janela e me
ver arriado no chão. Chamou pela filha, e ela dormia feito pedra.
Arrombou a porta – e foi a minha vez. Ficou de costas para ver a filha, e
aproveitei. Sendo ele mais maneiro de corpo, puxei o bicho pelo
pescoço, e enfiei sua cara na boca do pote, e sujiguei forte. Esperei
até que não se mexesse mais e me mandei, deixando para trás o defunto e a
virgem.
Com o que aprendi com Sabinho, usando em outros ofícios, cheguei aonde cheguei.
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