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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

AS OBRAS DE CARAVAGGIO CHEGAM A SP LIGADAS A MITOS E DRAMAS


Divulgação / Divulgação
“São Francisco em Meditação”, pintura aparece em duas versões na exposição “Caravaggio e Seus Seguidores”

Por Mariana Shirai | Para o Valor, de São Paulo

Duas telas quase idênticas integram o conjunto de 22 obras da mostra “Caravaggio e Seus Seguidores”, que será aberta amanhã no Museu de Arte de São Paulo (Masp). As duas versões de “São Francisco em Meditação” foram recentemente restauradas pela pesquisadora italiana Rossella Vodret, especialista na obra e idealizadora da exposição brasileira. Uma das telas, datada de 1606, é a obra original de Caravaggio; a segunda, realizada de 1606 a 1618, era considerada uma cópia feita pelo próprio artista. Mas em 2010 Rossella formulou a tese de que a cópia não havia sido executada por ele.
A descoberta da pesquisadora não obteve aceitação unânime. O próprio material de divulgação da mostra se refere aos dois “São Francisco em Meditação” como obras de Caravaggio, ignorando a hipótese de Rossella.
De acordo com Arnaldo Spindel, diretor da Base7, produtora da mostra, a questão da comprovação ainda não está definida. “A apresentação dos dois ‘São Francisco em Meditação’ e de uma sala dedicada à explicação mais detalhada do processo de análise e autenticação de obras de Caravaggio se inserem na perspectiva da curadoria de colocar como um dos pontos centrais dessa exposição as questões relacionadas às atribuições e confirmações.”
Quando se trata da obra de Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), divergências em relação a autoria são frequentes.
O gênio do “chiaroscuro” é atualmente um dos objetos preferidos de pesquisas que revolvem a história da arte para reescrevê-la ou alimentá-la com novos detalhes. Os resultados anulam ou asseguram a autoria de peças, descobertas de obras até então desconhecidas de grandes artistas e até exumações de corpos, como ocorreu no mês passado em Florença, quando um grupo de pesquisadores afirmou ter encontrado a ossada da modelo de “Mona Lisa”, quadro de Leonardo da Vinci.
Esse mesmo grupo de arqueólogos encontrou há alguns anos o que seriam os restos mortais de Caravaggio, que foram desenterrados e exibidos ao público em 2010, ano que marcou os 400 anos da morte do artista. Para o historiador de arte Luiz Marques, essas buscam sugerem um processo de “beatificação” dos grandes artistas, como se a procura fosse por relíquias de santos.
Dali em diante, sua obra seria alvo de diversas descobertas, quase sempre polêmicas.
A mais recente delas, divulgada no início deste mês, diz respeito a um conjunto de cem desenhos do artista, que poderiam valer US$ 700 milhões caso a autoria não suscitasse tanta desconfiança – muito já foi escrito sobre o fato de que Caravaggio não desenhava.
A exposição no Masp traz textos e painéis informativos que, a partir das obras reunidas, aprofundam essas questões. “Por isso, essa é uma mostra que discute não só a obra do mestre italiano, mas também a história da arte”, afirma Fábio Magalhães, curador brasileiro da exposição.
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“Medusa Murtola”: assim como a tela “Retrato do Cardeal”, obra é exposta pela primeira vez fora da Itália

As inovações tecnológicas têm papel importante para a proliferação de pesquisas no campo da arte. “Até há pouco tempo, essas análises eram todas feitas ‘no olho’. Vinha um especialista e, apenas a partir de seu conhecimento e da observação da obra, ditava se ela era ou não autêntica”, afirma Magalhães. “Hoje em dia, as análises vão muito além. Há raios infravermelhos que atravessam o pigmento e revelam o processo da pintura e ampliações de 200 vezes para analisar uma pincelada, entre muitas outras estratégias.”
Não fossem esses novos recursos, a obra “Medusa Murtola” provavelmente não estaria nessa mostra. Assim como “Retrato do Cardeal”, a peça sai da Itália pela primeira vez. As obras chegam a São Paulo pouco depois da conclusão de uma pesquisa que durou 20 anos e desmistificou uma crença de quatro séculos.
Acreditava-se que “Medusa Murtola” era uma cópia feita por um “caravaggesco” (nome dado aos artistas que seguiam o estilo do mestre italiano) de uma das obras mais conhecidas do artista, a “Cabeça de Medusa”. O estudo revelou que o próprio Caravaggio concebeu a “Medusa Murtola” e só depois fez a obra que era considerada “a original”.
A degola, aliás, é um tema recorrente na obra do mestre italiano, que precisou fugir de Roma depois de ser condenado à decapitação pelo assassinato de Ranuccio Tomassoni. Caravaggio chegou a obter o perdão pelo crime, mas adoeceu e morreu antes de conseguir retornar para Roma. A violência e a morte estão entre os principais temas retratados pelo artista.
Além de “Medusa Murtola” e “São Francisco em Meditação”, a mostra na capital paulista apresenta outras quatro obras de Caravaggio, incluindo “São Jerônimo Que Escreve” e “São João Batista Que Alimenta o Cordeiro”. Esta última entrou nos últimos três dias da exposição em Belo Horizonte, primeira parada das obras no Brasil. Quase 90 mil pessoas visitaram a mostra, que, depois de São Paulo, vai para Buenos Aires.
Também será incluída agora na exposição uma cópia de autor desconhecido da tela “Os Trapaceiros”, de Caravaggio. Completam o conjunto no Masp outras 15 obras de artistas contemporâneos do gênio italiano e influenciados por ele, como Artemisia Gentileschi, Bartolomeo Cavarozzi, Giovanni Baglione e Hendrick van Somer.
São conhecidas apenas cerca de 60 obras de Caravaggio. Muitas são painéis em igrejas e outras nunca saem dos acervos das instituições que as detêm. As que estão no país provêm de coleções particulares e de três prestigiados museus italianos: a Galleria Borghese e o Palazzo Barberini, em Roma, e a Galleria degli Uffizi, em Florença.
Foi o italiano quem primeiro recusou a tradição renascentista da perspectiva. “Caravaggio revolucionou a arte com uma nova concepção de espaço. Em suas telas, é como se a luz esculpisse os corpos”, diz o historiador de arte Luiz Marques. E não há polêmica ou pesquisa que mude o impacto de se pôr diante de suas telas.

“Caravaggio e Seus Seguidores”


Masp (av. Paulista, 1.578, São Paulo), tel.: (0xx11) 3251-5644. De terça a domingo, das 11 h às 18 h; quinta, das 11 h às 20 h, R$ 15
 


Postado por Luis Favre

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