Governo do Equador concedeu asilo político para Julian Assange. Grã-Bretanha diz que prenderá fundador do Wikileaks para deportá-lo à Suécia. |
Especialistas explicam como Julian Assange, criador do
Wikileaks, poderia deixar a embaixada do Equador em Londres. O Reino
Unido já anunciou que prenderá o ativista caso ele tente sair da
embaixada
Após quase dois meses aguardando refugiado na Embaixada do Equador em
Londres, o fundador do Wikileaks Julian Assange finalmente conseguiu
obter nesta quinta-feira (16/08) a concessão de um asilo político pelo
governo de Rafael Correa. Contudo, sua tentativa de contornar o que
classifica como uma perseguição política do governo britânico ainda não
foi concluída e ele agora precisa encontrar meios de se deslocar
definitivamente para fora do território do Reino Unido.
Diante desse cenário, a hipótese mais natural era de que a defesa de
Assange, encabeçada pelo magistrado espanhol Baltasar Garzón, buscaria a
emissão de um salvo-conduto que o permitisse se deslocar livremente até
um aeroporto e, então, partir rumo ao Equador.
Uma das possibilidades levantadas é a de que o Equador concederá a
Assange tanto a cidadania quanto o estatuto de diplomata do país. Dessa
forma, o jornalista conseguiria supostamente se proteger com os
princípios de imunidade e se deslocar até o território equatoriano.
Mas, “no direito internacional de hoje, a imunidade diplomática não é
baseada simplesmente na extraterritorialidade”, ressalta Celso Lafer,
professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e
ex-chanceler brasileiro. Seu argumento é de que a inviolabilidade reside
atualmente em um caráter “funcional”, o que significa que um diplomata
só está imune às leis locais quando comprova que cometeu um delito
durante o exercício de suas atribuições oficiais. Como, a seu ver, os
britânicos alegam que Assange supostamente cometeu um crime comum, essa
tática não prosperaria.
Marcelo Brito Queiroz, coordenador-geral de Direito Internacional do
Ministério das Relações Exteriores do Brasil, não difere dessa
interpretação e acrescenta que “reconhecer em Assange uma prerrogativa
diplomática é um problema”. Em seu entender, há pelo menos dois
elementos básicos que o Equador deve levar em consideração para a
retirada de Assange do Reino Unido. Em um primeiro momento é necessário
averiguar “se esse é um caso de estado de necessidade, isto é, se há uma
ameaça iminente e atual [contra o réu]”. Depois, diplomatas devem
verificar “se a natureza do delito é política, isto é, se o crime
cometido não é um crime comum” e se, por extensão, gera um caso de
“perseguição”.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 estabelece em seu
artigo 14 que “toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de
procurar e de beneficiar de asilo em outros países”. A exceção a essa
norma, contudo, se dá nos casos em que estão em análise violações aos
princípios das Nações Unidas ou um “crime de direito comum”. É nessa
ressalva que, de acordo com Lafer, o Reino Unido encontra subsídios para
alegar, por exemplo, “que Assange não é um perseguido político”.
Para o embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Arvelaiz, a
concessão de um estatuto diplomático seria algo pouco eficiente para
Assange. Caso isso ocorra, “as coisas se complicam para o Reino Unido,
que terá de diferenciar o tratamento entre um cidadão australiano com
asilo político do Equador e um diplomata propriamente dito”.
Comportamento latino-americano
A concessão de asilos políticos “é um costume tipicamente
latino-americano e não europeu”, afirma Queiroz, mencionando casos como o
do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, que se refugiou por
semanas na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Daí é que surge, a seu
ver, as razões pelas quais a questão tornou-se “muito mais política do
que jurídica”.
Confirmando este ponto, Lafer recorda o sintomático caso do fundador
do partido peruano APRA (Aliança Popular Revolucionaria Americana, na
sigla em espanhol). Em 1948, devido ao fracasso de seus correligionários
durante uma tentativa de golpe de estado, Víctor Raúl Haya de la Torre
consegue a concessão de um asilo político da Colômbia, mas não consegue
deixar seu país porque o governo peruano passa a argumentar que ele não é
um perseguido político, mas sim um infrator comum.
O caso foi obrigado a seguir para o arbítrio da CIJ (Corte
Internacional de Justiça), que deu ganho de causa à Colômbia e a Haya de
la Torre ao notar que o Peru (bem como Brasil e Estados Unidos) não era
signatário da Convenção de Montevidéu sobre os direitos e deveres de um
estado.
A Convenção de Caracas de 1954 são outro elemento que revela o
caráter essencialmente latino-americano da concessão de asilos
políticos. Assinada apenas por governos de estados-membros da OEA
(Organização dos Estados Americanos), ela normatiza logo em seu segundo
artigo que “todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha
obrigado a concedê-lo, nem a declarar por que o nega”.
Ao mesmo tempo, em concordância com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, também ressalva que “não é lícito conceder asilo a
pessoas que tenham sido acusadas de delitos comuns, processadas ou
condenadas por esse motivo por tribunais ordinários competentes, sem
terem cumprido penas respectivas”. É desse raciocínio que surge o novo
ponto nodal do caso Julian Assange e as razões pelas quais é tão
relevante aos britânicos acusarem-no de não ser um perseguido político.
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