Em “Xeque-mate”, Josmar Jozino, um dos primeiros a divulgar a
existência do PCC, apura tanto as ordens enviadas de dentro dos
presídios quanto os comandos que matam para preservar a ordem pública
Jornalista desde 1994, Josmar Jozino é especialista em reportagens
policiais, chegando, inclusive, a conquistar em 2000 o prêmio Vladimir
Herzog de Direitos Humanos. Em 2005, conquistou o prêmio pela segunda
vez com o livro Cobras e Lagartos e, em 2008, novamente, com o livro intitulado Casadas com o Crime. Atualmente é repórter do jornal Agora São Paulo.
Considerado um dos maiores especialistas na cobertura de casos
relacionados ao Primeiro Comando da Capital, o PCC, Jozino foi um dos
primeiros a divulgar a existência da facção do crime organizado no
Brasil.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista conta sobre o seu
novo livro lançado no mês de julho, “Xeque-Mate: o tribunal do crime e
os letais boinas pretas. Guerra sem fim”, e ainda fala sobre a proposta
de desmilitarização da polícia e da situação atual que vive São Paulo.
“Quando um policial é morto pelo crime organizado, vem a represália e
aparece uma chacina. É isso o que o livro mostra, uma guerra sem fim.”
O autor, que chegou a ser ameaçado, apura os dois lados da moeda, das
ordens enviadas de dentro dos presídios aos comandos que matam para
preservar a ordem pública.
Brasil de Fato - Por que intitulou de“ Xeque- Mate” o nome de seu livro?
Josmar Jozino – Porque na linguagem da cadeia é uma ordem de
sentença de morte pra matar alguém. É uma gíria que os presos usam:
“Xeque-mate, pode matar!”
Com todas essas chacinas que vem ocorrendo, principalmente nos
últimos meses na capital, a gente pode dizer que São Paulo vive em
estado de “Xeque-Mate”?
Vive no xeque-mate, mas a matança a gente não pode atribuir somente ao
crime organizado. Também tem outra matança que precisa ser melhor
apurada na periferia. Mortes de pessoas que não têm envolvimento com o
crime, morrendo na madrugada, na calada da noite. Essas mortes não tem
nada a ver com o crime organizado. Então, precisa ser investigado,
porém não deixa de ser um xeque-mate.
No livro você narra a história dos dois lados: da polícia e do
crime organizado. Você teve preocupação em manter a imparcialidade, ou
em algum momento você teve que defender um dos dois lados?
Não é nem preocupação. É obrigação mesmo de manter a imparcialidade.
Jornalista tem que ter essa obrigação, essa ética. Não pode tomar
partido nem de um lado nem de outro. Tem que narrar os fatos, apurar da
melhor forma e sempre sendo imparcial mesmo. É obrigação.
Quem mantém o controle nas cadeias de São Paulo: o governo ou o crime?
Segundo o Ministério Público e os próprios agentes penitenciários, que
são funcionários do governo, é o crime organizado que define as regras e
tudo mais.
E nas ruas, quem controla?
Nas ruas eu acredito que eles são bem organizados também. Eu acho que
até tem um Estado paralelo. Não vou dizer que eles controlam as ruas,
mas que dominam boa parte do Estado, dominam sim. Impõe regras nas
periferias, enfim, isso acontece na capital, na grande São Paulo, no
interior e no litoral. Tem uma corrente que diz que os homicídios
diminuíram por causa disso.
O governo sustenta que a queda dos números de mortes se deve à
uma atuação mais efetiva da polícia. Por outro lado, existe a tese de
que com a hegemonia do Primeiro Comando da Capital (PCC) acabaram os
conflitos entre as facções e, consequentemente, houve redução nas
mortes. Qual a sua avaliação quanto a isso?
Tem uma corrente de pensamento de sociólogos e alguns estudiosos que
diz que o PCC monopoliza o tráfico de drogas em todo o espaço. E onde
ele controla o tráfico também põe regras pra não ter matança. Só tem
xeque-mate com ordem mesmo. Então essa corrente diz que os homicídios
diminuíram por isso. Mortes assim, dizem os estudiosos, só em casos
extremos mesmo, com a autorização da facção. Já o governo diz que não.
Diz que isso é resultado das políticas públicas e também do
policiamento reforçado - apreensão de armas, de drogas, blitz
constantes. Cada um tem a sua versão. Os especialistas de segurança
achando que não é a política pública, que é o crime organizado
dominando o Estado, e que acaba controlando o tráfico pra evitar mortes
e a presença da polícia, porque na visão deles polícia na área é
prejuízo pro tráfico. Do outro lado, o governo dizendo que isso aí é
resultado da política pública.
No dia 26 de julho, o Procurador Federal da República, Matheus
Baraldi, pediu o afastamento do Comando da Polícia Militar do Estado de
São Paulo na audiência pública no Ministério Público Federal. Na mesma
linha, familiares de pessoas que foram vítimas da polícia, entidades
de direitos humanos e alguns movimentos sociais pediram o fim da
militarização da polícia. Qual a sua opinião à respeito?
Eu sou a favor da unificação das polícias. A polícia tem que ser uma
só. Civil e Militar. Tem que ter alguém comandando. No caso um
delegado, um coronel, não sei como seria isso. Mas eu sou a favor não
só da unificação, mas também de uma corregedoria forte e independente
também. Independente dessas duas instituições. Mesmo unificadas, mas
com a criação de uma corregedoria independente para evitar
corporativismo. Hoje a gente não pode generalizar que a tropa toda da
polícia militar está fora de controle. Não é assim. Está tendo muitos
abusos, muitos supostos casos de resistência seguida de morte, mas
também não dá pra generalizar que toda PM tá saindo por aí matando. Não
é bem assim. Tem grupos da PM que estão matando sim. Até alegam que é
tiroteio, mas isso precisa ser investigado. Eu sou a favor da
unificação porque é assim que funcionam nos países de "primeiro mundo",
civilizados, eu acho que aí evitariam muitos problemas. Eu não me
lembro em que ano foi, mas teve uma greve dos policiais civis que foi
reprimida pelos policiais militares que parecia uma praça de guerra, e
nós jornalistas estávamos no meio do tiroteio. Eu nunca vi nos meus 30
anos de carreira de jornalista nada parecido. Isso foi um mau exemplo
pro mundo. Isso mostra que a PM sabe mais reprimir do que prevenir. Na
própria história ela foi criada pra reprimir mesmo, para proteger a
classe dominante. Historicamente ela foi criada pra isso.
Você acha que existem mesmo os grupos de extermínio ligado à Polícia Militar?
Existem. No presídio Romão Gomes tem vários grupos de extermínio
presos. Pessoal de Guarulhos, Osasco, pessoal da zona sul, da zona
leste. Mataram até o próprio coronel deles por investigar os grupos de
extermínio. Então prova maior que essa não precisa nem ter outra. Eles
continuam agindo nas ruas. Essas mortes que tem na periferia, quando
morre quatro ou cinco, em represália de algum PM que foi morto, você
pode prestar atenção, pesquisar e analisar. Quando um policial é morto
pelo crime organizado, vem a represália e aparece uma chacina. É isso
que o livro mostra, uma guerra sem fim.
Então tem como apontar um verdadeiro culpado para essas chacinas que acontecem nas periferias?
Isso é a polícia civil que vai ter que trabalhar com transparência,
investigar direito, fazer um inquérito correto que vai chegar à autoria.
Sem dúvidas, a grande suspeita é que sejam grupos de PM´s mesmo, em
vingança da morte dos colegas mortos pelo crime organizado.
José Francisco NetoNo Brasil de Fato
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