(Da série Capitalismo de Esgoto)
Márcia Denser
Em 1992, James Carville, estrategista da campanha do candidato Bill
Clinton à Presidência dos EUA, saiu-se com um dito que ficou famoso: “É a
economia, estúpido”. O cientista político Immanuel Wallerstein, em
artigo recente publicado pela Esquerda.Net, comenta que, em
julho, disseminou-se através dos grandes jornais, dirigentes de bancos
centrais e autoridades judiciais que havia um “escândalo” chamado
“Libor”. E observa: “Chamar a manipulação da Libor de escândalo é
desviar as atenções do fato de que se trata de mais uma forma ‘normal de
acumular capital’”. Ora, diante de tais escândalos, deveríamos dizer:
“É o sistema, estúpido!”.
Antes disso, poucas pessoas, para além dos iniciados no mundo
financeiro, tinham ouvido falar da Libor. Subitamente, ouviu-se que os
maiores bancos da Inglaterra, EUA, Suíça, Alemanha, França, e muitos
outros países, estavam envolvidos em ações supostamente “fraudulentas”. E
não se tratava de uma questão de centavos.
O fato é que derivados financeiros de centenas de trilhões de dólares
baseiam-se na taxa Libor. A acusação era de que os bancos “manipulavam”
esta taxa, obtendo lucros estratosféricos. Só que, por outro lado,
pessoas com hipotecas e empréstimos ou estudantes com empréstimos
escolares, acabaram pagando mais do que deveriam. Ou seja, os bancos
obtiveram lucros enormes à custa de pesadas perdas alheias.
Tudo isso levantou muitas questões: 1) Como isso foi possível? 2) Por
que as autoridades reguladoras não interromperam uma prática que agora
dizem ser tão fraudulenta, ou seja, quem sabia o quê e quando? e, 3)
Alguma coisa pode ser feita para garantir que isto não aconteça
novamente?
Mas o que significa a taxa Libor? É uma abreviação de London Interbank Offered Rate (Taxa Interbancária Praticada em Londres). Não é muito antiga: a versão definitiva é de 1986. Na época, a British Bankers Association
(Associação dos Banqueiros Britânicos) pediu que os “maiores bancos”
compartilhassem informação diária sobre as taxas de juros que pagariam
se tomassem empréstimos de outros bancos. Depois de eliminados os
valores extremos, determinava-se uma taxa média, modificada diariamente.
A ideia era que, se os bancos se sentissem confiantes sobre o estado da
economia, a taxa seria mais baixa; se estivessem inseguros, a taxa
seria mais alta.
Quando a imprensa mundial usou a palavra “escândalo” para falar da
Libor, ficou claro que o tema tinha sido debatido muito antes e a portas
fechadas. Parece que o Wall Street Journal (que é não é
propriamente um esteio anticapitalista) havia divulgado um estudo em 29
de maio de 2008 (sim, em 2008!), sugerindo que alguns bancos estavam
subestimando os custos dos empréstimos. Outros imediatamente reagiram,
dizendo que o estudo era impreciso ou, se correto, que os bancos tinham
agido de forma inadvertida. Contudo, análises acadêmicas posteriores
sugeriram que a acusação de subestimação dos custos era de fato
verdadeira.
A questão é que quando um banco lida com 50 trilhões de dólares em
valores teóricos, uma pequena subestimação de taxas gera imediatamente
um aumento significativo dos lucros. Assim, a tentação era óbvia.
Acontece que, já no início de 2007, tanto o Federal Reserve
quanto o Banco da Inglaterra suspeitaram dessa subnotificação. Nenhum
fez muita coisa. Agora, comenta-se que essas taxas, longe de serem
confiáveis ou estáveis, são na verdade meras “suposições”.
Desde que o Lehman Brothers entrou em colapso, os bancos em todo o
mundo deixaram de realizar empréstimos entre si. Como disse o New York
Times, num artigo de 19 de julho de 2012: “As taxas precisas têm pouca
base real”. Em 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos
começou uma investigação criminal. Graças a vazamentos de informação,
sabe-se agora que houve trocas de e-mails entre banqueiros que falavam
alegremente da subestimação das taxas e encorajavam outros a fazê-lo.
Por que não? Era uma grana preta!
No meio disto tudo, o jornal The Independent publicou uma
reportagem de duas páginas sobre os paraísos fiscais e a quantidade
incrível de dinheiro que sai dos países do Sul global para esses
lugares, privando-os assim de valores que provavelmente seriam mais que
suficientes para financiar as transformações econômicas e a
redistribuição de rendimentos que estes países afirmam querer pôr em
prática. Ao contrário das manipulações da Libor, os paraísos fiscais são
perfeitamente legais.
Então, onde está o escândalo? As duas práticas – manipulação da Libor e
transferência de dinheiro para os paraísos fiscais – são absolutamente
normais numa economia-mundo capitalista. A finalidade do capitalismo,
afinal de contas, é a acumulação de capital – quanto mais, melhor. Um
capitalista que não maximiza os ganhos, cedo ou tarde, será eliminado do
jogo.
O papel dos Estados nunca foi controlar ou limitar estas práticas, mas
fazer vista grossa quase o tempo todo. Uma vez ou outra, as práticas –
dos capitalistas e dos Estados – são momentaneamente expostas. Algumas
pessoas vão para a cadeia ou são forçadas a devolver os lucros ilegais. E
os políticos falam de “reformas” – procurando adotar, com grande
alarde, as menores possíveis – deixando intacto o mecanismo maior do
Sistema.
Mas isto não é um escândalo, porque o que se chama de “escândalo” é, na
verdade, o coração do sistema. Perguntinha: algum dia isto vai mudar?
O Esquerdopata
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