“Pode não ser para amanhã - dizia o professor Afonso Arinos, quando
presidia à Comissão de Estudos Constitucionais, em 1986 -, mas o mundo
caminha para a esquerda”. A vitória de Chávez na Venezuela, e os
resultados eleitorais no Brasil, parecem dar razão ao intelectual e
político mineiro que, a partir de certo trecho da vida, abandonou a
visão conservadora do mundo.
Uma frase definidora de sua revisão
ideológica foi a de que as favelas de nosso tempo são as senzalas do
passado.
A política não se faz aos pulos, da mesma maneira que natura non facit saltus:
para chegar à esquerda, é preciso passar pelo centro. Chávez jamais
escondeu seus projetos e suas idéias. É provável que, se estivesse vivo,
Bolívar – grande herói da independência hispano-americana e paladino
da ascensão dos mestiços ao poder – não comungasse dos mesmos ideais
socialistas do líder de hoje. Uma coisa era o mundo de 1810, outra o
mundo de nossos dias. Como sabemos, Marx nasceu em 1818. Alem disso,
Chávez não é rigorosamente um marxista e tampouco pode ser identificado
como intelectual. Ele, como Lula e, bem antes, Josip Tito, são homens do
povo, conduzidos pela consciência de classe, diante do sofrimento e da
injustiça.
O processo eleitoral da Venezuela é o mais fiscalizado do mundo. Os
próprios norte-americanos, que gostariam de ver Chávez longe do poder, e
que enviam regularmente seus observadores quando há eleições no país,
são forçados a reconhecer a lisura do sistema. Chávez, apesar de seus
arroubos oratórios, que se inspiram na particular visão do mundo dos
mestiços andinos, é um homem lúcido. A enfermidade deve tê-lo feito
refletir sobre a sua responsabilidade diante do futuro, e na necessidade
de não legar aos pósteros uma nação dividida em duas facções.
Em razão disso, tomou uma atitude inusitada: em lugar de esperar que o
vencido, Capriles, o cumprimentasse pela vitória, telefonou para o
adversário, com quem manteve uma conversação amistosa, e, em seguida,
estendeu sua mão à oposição, propondo o entendimento para vencer as
dificuldades do país.
Chávez, como reiterou, não renunciou ao projeto de “socialismo
bolivariano”, mas tampouco demonstrou pressa em implantá-lo. Ele está
profundamente preocupado com a espiral da violência em seu país, e sabe
que é preciso mobilizar toda a sociedade, a fim de evitar a
mexicanização da Venezuela. É a mesma preocupação que parece mover o
Presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, na busca do entendimento com
as Farc. Essa é a plataforma para a civilidade do debate político.
Em nosso país, pelo menos até agora, a direita recuou em várias regiões.
Não é exagero concluir que o eleitorado deu um passo em direção à
esquerda. É essa consciência do possível, diante da ameaça de que a
criminalidade organizada ocupe o Estado, que parece despertar em nosso
continente.
Mauro Santayana
Mauro Santayana
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