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Roberto Baruzzi
No primeiro levantamento da saúde indígena não foi registrada a
ocorrência de doenças cardiovasculares e menos de 5% dos examinados
tinham pressão arterial elevada. Mas essa situação mudou
O
Parque Indígena do Xingu, inicialmente Parque Nacional do Xingu,
resultou de um amplo movimento que teve a participação dos irmãos Villas
Bôas, além de personagens como Darcy Ribeiro, Noel Nutels e Heloísa
Torres, diretora do Museu Nacional, entre outros defensores dos direitos
dos povos indígenas.
O Parque cobria uma área de aproximadamente 26.300 km2, estendendo-se por 300 km da região dos formadores do rio Xingu, ao sul, e ao longo de sua calha até a cachoeira de Von Martius, ao norte, nos limites do Mato Grosso e Pará.
Era habitado por 14 povos indígenas dos troncos ou famílias de línguas aruaque, caribe, jê e tupi, incluindo os trumai, de língua isolada.
O Parque cobria uma área de aproximadamente 26.300 km2, estendendo-se por 300 km da região dos formadores do rio Xingu, ao sul, e ao longo de sua calha até a cachoeira de Von Martius, ao norte, nos limites do Mato Grosso e Pará.
Era habitado por 14 povos indígenas dos troncos ou famílias de línguas aruaque, caribe, jê e tupi, incluindo os trumai, de língua isolada.
Em seus primórdios a história do
Parque se reporta ao início do ano de 1946, quando a expedição
Roncador-Xingu, no contexto do movimento de Marcha para o Oeste do
governo federal, atingiu o rio Kuluene, um dos formadores do Xingu, após
atravessar o território xavante, guerreiros temidos e avessos a
qualquer contato com outros povos. Presentes na expedição, os irmãos
Villas Bôas: Orlando, Cláudio e Leonardo tiveram seus primeiros contatos
com os kalapalo e kuicuro, no Juluene. Nos meses seguintes o
relacionamento se estendeu aos demais povos dos formadores do rio Xingu
ou Alto Xingu. Em 1953, o processo de contato se estendeu até os
metuktire, ou kayapó, na área norte do Parque, próxima da cachoeira de
Von Martius.
Na época, teve início um movimento em defesa desses
povos, ameaçados pela venda das terras que ocupavam desde tempos
imemoráveis, o que levou à criação do Parque. Entre as atribuições
definidas no decreto de sua fundação, estava: “Garantir aos povos
indígenas a assistência médica, social e educacional, indispensável para
assegurar sua soberania, com a preservação de seus atributos
culturais”.
Nesse contexto se inseria a seguinte declaração dos
Villas Bôas, de anos anteriores, baseada em sua convivência com povos
indígenas: “É neste setor da saúde que a ajuda do civilizado pode ser de
transcendente importância. Diante dos acessos violentos de malária, de
gripe e de pneumonia os pajés são impotentes. Se for dada a esses índios
uma assistência conveniente, não temos dúvidas de que em poucos lustros
teremos novamente o Alto Xingu como hábitat dos mais fortes e
expressivos indígenas do Brasil”.
Em 1965, a convite de Orlando
Villas Bôas (foto acima no Xingú), diretor do Parque, uma equipe médica da Escola Paulista de
Medicina (EPM), hoje ligada à Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), foi avaliar as condições de saúde de sua população. Da
avaliação resultou um acordo pelo qual a EPM se comprometia a enviar
equipes médicas periódicas e, em situações epidêmicas, iniciar um plano
de vacinação e abrir o Hospital São Paulo como unidade de retaguarda
para seus habitantes. Essa foi a solução viável, dado o isolamento
geográfico na época, e que se tornou possível com o apoio da Força Aérea
Brasileira (FAB) no transporte das equipes médicas e remoção de
pacientes.
Os grupos voluntários, eram formadas por médicos, enfermeiras e dentistas, contando sempre com a presença de alunos. Os estudantes têm assegurado, por mais de quatro décadas, a continuidade do Programa de Saúde ou Projeto Xingu, como é conhecido. Muitos deles voltaram a participar de outras equipes, mesmo depois de formados, alguns como membros do corpo dirigente do Projeto.
Os grupos voluntários, eram formadas por médicos, enfermeiras e dentistas, contando sempre com a presença de alunos. Os estudantes têm assegurado, por mais de quatro décadas, a continuidade do Programa de Saúde ou Projeto Xingu, como é conhecido. Muitos deles voltaram a participar de outras equipes, mesmo depois de formados, alguns como membros do corpo dirigente do Projeto.
A política de saúde da
EPM, no Parque, foi assim expressa por mim, em 1966, na condição de
coordenador: “O desafio não é simplesmente implantar no Parque um modelo
de assistência à saúde calcado na medicina ocidental, com mera
transferência de tecnologia e locação de recursos. O real desafio é
trazer benefícios à saúde do índio sem causar danos irreversíveis à sua
cultura, sem destruir suas crenças e sua medicina tradicional. A busca
de resultados imediatistas poderia significar um dano para essa
população no decorrer do tempo, dentro do conceito de saúde definido
pela OMS como um estado de completo bem-estar físico, social e mental”.
A
introdução de uma ficha médica no trabalho de campo, desde os
primórdios do Projeto Xingu, permitia que cada um dos membros de uma
aldeia fosse chamado nominalmente para ser examinado e tratado entre os
que apresentavam alguma queixa. Eram aplicadas as vacinas previamente
determinadas e feito o registro das intercorrências clínicas, gestações,
nascimentos e óbitos. Na sequência, a equipe de saúde ia de casa em
casa da aldeia para atender aqueles que, por condições de saúde ou por
outros motivos, não haviam comparecido aos exames. Uma foto atualizada
periodicamente, somada a outros dados da ficha médica, facilitava a
identificação individual, a salvo de mudanças no nome (prática comum) e
de diferenças na sua transcrição gráfica. As fichas médicas têm
possibilitado a realização de numerosos estudos nas áreas das ciências
humanas e da saúde.
Desde o início estabeleceu-se um clima de
mútuo respeito e colaboração entre médicos e pajés. Com o transcorrer do
programa de saúde foi dada maior atenção à formação de agentes de saúde
e auxiliares de enfermagem indígenas, indicados por suas comunidades.
Em 2001, o primeiro grupo de formados recebeu seus certificados em
cerimônia realizada na Escola Paulista de Medicina. Atualmente, cerca de
40 formados integram o quadro de saúde no PIX, remunerados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS). A presença de agentes de saúde facilita a
participação das aldeias na discussão dos problemas de saúde, pelos
traços culturais comuns e uso da língua nativa.
De 1966 a 1971,
foi realizado o levantamento das condições de saúde nas aldeias, com o
uso das fichas médicas. Não foi observada a ocorrência de doenças
cardiovasculares, e menos de 5% dos examinados apresentavam níveis de
pressão arterial elevados, pouco acima dos valores considerados normais,
sem que houvesse aumento com o decorrer da idade, como ocorre em
populações não indígenas. Os níveis séricos do colesterol e dos
triglicérides eram normais e dentro dos resultados considerados
desejáveis.
No quadro nosológico havia maior prevalência de
doenças infecto parasitárias em relação às doenças não transmissíveis.
Era intensa a transmissão de malária, a principal causa de morte em
todos os grupos etários a partir dos primeiros anos de vida. Em cerca de
um terço da população examinada, o baço era palpável abaixo da cicatriz
umbilical em decorrência de frequentes e repetidos ataques da malária. A
mortalidade infantil era elevada.
Num retrospecto, pode-se
afirmar que o Projeto Xingu, ao longo dos anos, contribuiu para a
melhoria das condições de saúde dos povos do Parque. A população, que,
em 1966, era de 1.135 pessoas, passou para 5.630, em 2009. No
atendimento de casos de maior gravidade e mesmo de outras áreas
indígenas, tem sido de grande importância o Ambulatório do Índio do
Hospital São Paulo da Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da
Medicina (SPDM).
A malária deixou de ser importante causa de
morte, presente apenas em raros surtos epidêmicos, em áreas limitadas, e
rapidamente debelados com a identificação do plasmódio transmissor e a
adoção de pronto tratamento. No que se refere à tuberculose, doença que
requer constante controle, houve gradativa redução no número de casos
diagnosticados que passou de 7 casos, em 2004, para apenas 1, em 2010.
Neste
momento o Parque é uma ilha verde cercada por áreas desmatadas para
abertura de fazendas, e cidades surgiram em seu entorno, estradas
penetram em seu território. A poluição das nascentes dos formadores do
Xingu, situadas fora da reserva, tem comprometido a pesca, com prejuízo
para a alimentação dos povos xinguanos. A introdução de novos alimentos
tem provocado mudanças no padrão alimentar tradicional, com excesso de
sal e açúcar e de alimentos ricos em carboidratos como arroz e macarrão.
Houve, paralelamente, redução da atividade física pela introdução de
novas tecnologias.
Em decorrência dessas mudanças, houve a
introdução gradativa das chamadas doençasdo Mundo Ocidental ou “doenças
do branco”: enfermidades cardiovasculares, hipertensão arterial e
obesidade, com especial atenção para o surgimentodos primeiros casos de
diabetes, doença que tem sido diagnosticada em número considerável entre
os xavante. Há dúvidas sobre eventual maior suscetibilidade do índio ao
diabetes, cabendo lembrar que os pima, no Arizona, nos Estados Unidos,
há vários anos, foram apontados como portadores da maior prevalência de
casos de diabetes em grupos humanos.
No decorrer do tempo novos
desafios apareceram na área da saúde das diferentes etnias. Esses
desafios também estão presentes no Parque Indígena do Xingu, e no que se
refere às “doenças do branco”, ao lado do diagnóstico e tratamento
precoces, assume maior importância esclarecer a população quanto aos
riscos decorrentes de mudanças em seu padrão de vida e quanto às medidas
preventivas que podem ser introduzidas no âmbito familiar.
Para
se obter alguns resultados nesta área é necessário contar com a
orientação do pessoal da saúde em campanhas de esclarecimento, com o
apoio das lideranças indígenas e plena participação dos agentes
indígenas de saúde.
Fonte: História e Licenciatura
Free ilustration by: militanciaviva
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