Em entrevista exclusiva à DW, o jornalista Glenn Greenwald falou sobre o
escândalo de escutas telefônicas denunciado por Snowden. Para ele, a
reação alemã a esse monitoramento poderia ter sido muito mais forte.
Em entrevista à Deutsche Welle, o jornalista Glenn Greenwald, que ajudou
Edward Snowden a divulgar a espionagem da Agência de Segurança Nacional
(NSA) dos EUA, afirmou que empresas como a Google devem agora pensar
duas vezes antes de cooperar com os serviços de inteligência nacionais e
que o governo brasileiro teve muito mais coragem que a maioria dos
outros países ao criticar a posição dos EUA.
A entrevista é parte de uma mensagem de vídeo enviada para o DW Global
Media Forum, que se realizará em Bonn de 30 de junho a 2 de julho de
2014.
Deutsche Welle: Você acha que os serviços alemães
de inteligência estavam envolvidos no grampo do telefone celular da
chanceler federal Angela Merkel?
Glenn Greenwald: Os documentos divulgados pela revista Spiegel
sobre o grampo do telefone celular da chanceler federal Merkel por
parte da NSA não indicam claramente até que ponto os serviços secretos
alemães tinham conhecimento disso ou se teriam, de alguma forma,
participado da escuta. Por isso é difícil responder a essa pergunta
detalhadamente. Mas o que posso dizer, no geral, é que existe uma
relação clara entre a NSA e o serviço secreto alemão.
Essa relação é muito mais limitada e discreta do que com o GCHQ, no
Reino Unido, ou com os serviços secretos canadenses, australianos ou
neozelandeses. Mas tal relação existe. Com base no que, para mim,
resulta dos documentos, eu ficaria surpreso, todavia, se – pensando
meramente de forma hipotética – os serviços alemães de inteligência
tivessem realmente conhecimento da forma mais abrangente de espionagem
dos cidadãos alemães ou do governo alemão pela NSA.
A grande raiva dos europeus quanto às atividades de espionagem se
dirigem contra a NSA. Mas, como você também descreve, o britânico GCHQ
atua de forma muito mais agressiva, mesmo que seja bem menor, do que seu
homólogo nos EUA. Você se surpreende com o fato de a União Europeia
(UE) não reagir de forma mais sensível às atividades de espionagem de um
país-membro?
É quase um exagero falar da NSA e do GCHQ como duas unidades diferentes.
Eles trabalham em parceria, em quase todas as áreas. Às vezes, eles
também compartilham o trabalho, para que possam contornar limitações
legais em casa ou obstáculos tecnológicos. Em praticamente todos os
casos, eles trabalham de mãos dadas. A NSA paga ao GCHQ. E, como quase
todas as instituições britânicas, o GCHQ recebe de forma obediente as
instruções da elite política dos EUA.
Por isso, não é muito produtivo falar dos dois como duas unidades
diferentes. Ao mesmo tempo, é verdade que o GCHQ esteja frequentemente
disposto a praticar a forma mais abrangente de monitoramento e faça
coisas que a NSA não faria. Perante os seus vizinhos da UE, os
britânicos se comportam, possivelmente, de forma até mais agressiva do
que a NSA – já devido à proximidade geográfica e o acesso aos sistemas
de telecomunicação.
Por esse motivo, na minha opinião, a discussão na UE se concentrou muito
na NSA e muito pouco naquilo que o vizinho e parceiro da UE, Reino
Unido, está praticando. No ataque à imprensa livre e na invasão da
privacidade de centenas de milhões de pessoas, o governo do Reino Unido
não teve nenhum limite e abusou severamente do seu poder. Dessa forma,
para mim, um foco claro sobre as atividades dos britânicos seria
urgentemente necessário.
Você também mostrou como é grande a dependência dos serviços
nacionais de inteligência da cooperação consciente ou tácita de grandes
firmas de internet e telecomunicação, que têm, de fato, os mesmos
objetivos que os serviços de inteligência: ou seja, coletar o máximo de
informação possível sobre a maior quantidade possível de pessoas.
Naturalmente, a vigilância por parte do Estado tem, potencialmente, um
impacto maior. Mas até que ponto é preocupante a coleta de dados, onipresente e constante, de grandes firmas de internet como a Google?
Não há dúvida de que a coleta de dados por gigantes da internet como
Google, Facebook e Yahoo representa um ameaça séria e profunda à
privacidade do indivíduo e da democracia. Essas firmas estão, de fato,
fora de qualquer sistema de controle democrático. Naturalmente, há
diferenças entre a espionagem pelo Estado e aquela praticada por
empresas particulares: Google pode coletar somente as informações
deixadas em sua máquina de busca, que não dispõe, por exemplo, dos
bate-papos do Facebook, dos e-mails do Yahoo ou das conversas pelo
Skype.
O governo americano e a NSA, por outro lado, tentam coletar todas as
informações sobre alguém num único local. A meu ver, isso é uma
diferença importante. Outra diferença é que o Estado possui muito mais
poder que as empresas. Ele tem, por exemplo, o poder de confiscar
propriedades ou decretar ordem de prisão, ou, como no caso dos EUA,
colocar alguém numa lista da morte.
Mas não há dúvida de que, antes das revelações de Edward Snowden,
empresas privadas no Vale do Silício cooperaram de muito bom grado em
quase todas as áreas com a NSA – e muito além do previsto pela lei. O
que as revelações de Snowden conseguiram, entre outros, é que, para
essas firmas, agora é perigoso dar continuidade a essa cooperação,
devido aos seus próprios interesses comerciais futuros. Desde as
revelações, essas empresas estão sob pressão e têm de provar à opinião
pública que não estão dispostas a continuar fornecendo acesso aos dados
de seus clientes à NSA.
Muitas pessoas veem a Alemanha e a posição alemã em termos de
vigilância e de futuras questões digitais como um caso especial em
comparação com a maioria dos outros países, menos preocupados com tais
temas. Você concorda?
Eu não vejo a Alemanha como um caso à parte. Em muitos países, a reação
ao monitoramento de dados foi tão intensa, ou até mais intensa que na
Alemanha. Isso inclui o Brasil, o país onde vivo. Aqui os políticos e a
presidente Dilma Rousseff reagiram de forma muito mais veemente e
agressiva. Rousseff reprovou o comportamento dos EUA, recusando o
convite para a primeira visita de Estado aos EUA, desde várias décadas.
Ela criticou então o comportamento dos EUA perante as Nações Unidas,
enquanto o presidente Obama esperava fora do plenário, no corredor. A
meu ver, nenhum dos chefes de Estado e governo europeus mostrou tanta
coragem. E os cidadãos europeus também não reagiram com tanta irritação
quanto os brasileiros. Em muitos outros países da América Latina, a
reação teve a mesma intensidade.
Então, por esse motivo, eu não chamaria a Alemanha de um caso à parte.
Numa escala de países que reagiram fortemente, a Alemanha tende para os
países em que tais histórias foram realmente motivo de preocupação. Por
um lado, é claro, devido ao papel histórico que os ataques à privacidade
exerceram na política alemã. E, pelo outro, devido ao grande volume de
relatórios existentes sobre as atividades da NSA, que se direcionaram
contra os alemães. Em comparação, a reação dos alemães foi melhor que em
muitos outros países. Mesmo assim, eu não classificaria a Alemanha como
um caso especial. Em todo o mundo, essa discussão já acontece há um
ano. E, em muitos países, a reação foi muito mais intensa.
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