Suárez após a vitória contra a Itália. Ele só volta a jogar em outubro
Não era razoável esperar que Luis Suárez ficasse impune pela mordida em
Chiellini. O ato do atacante uruguaio foi uma aberração, a terceira do
tipo em sua carreira, e era óbvio que a Fifa agiria com rigor. Ainda
assim, o veredicto extrapolou sua necessidade punitiva e ganhou
contornos de uma absurda perseguição.
A punição a Suárez é a mais severa da história da Copa do Mundo. Ele foi
multado em 100 mil francos suíços (cerca de R$ 250 mil), deve ficar
nove jogos internacionais sem defender o Uruguai – um ostracismo que
pode durar até 2016 a depender do desempenho da Celeste – e está banido
de toda e qualquer atividade relacionada ao futebol neste período, incluindo os treinos do Liverpool e da seleção. Na quinta-feira 26, Suárez foi escorraçado da Copa do Mundo. Proibido de almoçar com a delegação uruguaia, saiu da concentração sob custódia policial.
O único precedente a esta punição parece ser a suspensão de quatro meses imposta ao português João Pinto
após este acertar um soco na barriga do juiz argentino Angel Sánchez no
mundial de 2002. As diferenças são claras. João Pinto agrediu a
autoridade máxima de um jogo de futebol, mas recebeu uma multa menor e
pode treinar durante o período suspenso. Como salientado em texto
anterior sobre o caso, há um forte componente moral envolvido na mordida,
vista como um ato não pertencente ao futebol e, portanto, passível de
punição severa. Isso poderia ser positivo, também como destacado, mas a
Fifa conseguiu perder a mão até mesmo em uma situação favorável a ela.
Em texto no Guardian, o jornalista Owen Gibson faz coro à imprensa
britânica, para quem a punição foi apropriada, mas lembra que a Fifa
trava uma cruzada para melhorar sua imagem e usa a Copa do Mundo como
“plataforma para projetar sua simplista e descarada missão moral para o
mundo”. Esta estratégia está presente, por exemplo, nas campanhas contra
o racismo, mas é hipócrita – o canto nazista do croata Josep Simunic
teve uma punição de apenas dez jogos, sem todos os penduricalhos
impostos a Suárez. A mordida, assim, é mais grave que referendar o
nazismo.
Neste contexto, a agressão de Suárez surgiu como uma oportunidade para a
Fifa. Notoriamente corrupta, a entidade comandada por Joseph Blatter
pode apresentar uma imagem de justa e defensora da moral e dos bons
costumes futebolísticos, em especial porque a imprensa britânica,
responsável pelas principais investigações sobre os desmandos da Fifa,
estava em campanha contra Suárez.
O comitê disciplinar da entidade (que assim como o STJD brasileiro alega
independência, mas é ligado umbilicalmente à federação sob a qual atua)
fez o trabalho sujo, com aspecto asseado, ao aplicar a punição a
Suárez. Como afirmou Giulia Zonca no jornal italiano La Stampa, aintenção de transformar Suárez no protótipo do vilão é clara.
É inescapável a impressão de que a Fifa só puniu Suárez porque ele era
um alvo fácil, por seu passado disciplinar lamentável e, principalmente,
porque, ao contrário de Zidane, que desferiu uma cabeçada em Materazzi
na final da Copa do Mundo de 2006, Suárez vem de um país sem qualquer
influência na Fifa.
O clamor por justiça em sistemas inerentemente injustos, como é o da
Fifa, incorre o risco de dar vazão a arbítrios. Suárez merecia punição
dura, mas foi alvo de uma humilhação desnecessária, de um excesso que aliena qualquer jogador de futebol, como afirmou o próprio Chiellini. Para afirmar sua máscara moralista, a Fifa foi mais grotesca que a mordida.
Fonte: AFP
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