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quinta-feira, 12 de junho de 2014

A ANATOMIA DO FASCISMO - política, mitos e dogmas do fascismo múltiplo



A Paz e Terra acaba de publicar o clássico livro de Robert Paxton A anatomia do fascismo. Trata-se de uma obra de maturidade de um historiador de longa trajetória nos estudos dos regimes de governo e da violência política no século 20.

A publicação do texto de Paxton é extremamente oportuna. Terminada a Guerra Fria, desde 1991, e com a recuperação da capacidade de ir além dos termos do debate dos anos 50 e 60 - em especial o beco sem saída da teoria do totalitarismo - o livro se propõe a rever alguns mitos e dogmas da história dos fascismos.

O primeiro, e bastante relevante em face aos estudos acadêmicos brasileiros, é a assunção do conceito fascismos, no plural. Paxton insiste na pluralidade do fenômeno histórico - na diversidade da sua ocorrência real por exemplo na Alemanha e na Itália - mas insiste também na coesão interna e consistência teórica do fenômeno histórico geral dos fascismos. Assim, a diferenciação entre fascismo (no singular) enquanto fenômeno explicitamente italiano (tese de Enzo De Felice) e o nazismo, fenômeno exclusivamente alemão, não é aceita. Para Paxton, a coesão original nos fascismos marca uma época e um tipo de fenômeno social e político. Nesse sentido, o autor acompanha as teses clássicas do historiador alemão Ernst Nolte, que identifica a existência de uma "época dos fascismos". Para o brasileiro, o debate é particularmente instrutivo em face da insistência nacional em falar em nazi-fascismo, acompanhando uma denominação acrítica da imprensa da época. Contudo, Paxton não aceita a tese de Nolte de uma relação direta entre fascismos e bolchevismo - o que também o afasta das teses clássicas que compreendem os fascismos como contidos inteiramente na teoria do totalitarismo.

Paxton também se pergunta sobre a extensão e as origens dessa época dos fascismos. Para o autor, pode-se falar em fascismos desde às vésperas da Primeira Guerra (1914-1918), desvinculando o fascismo das analises historicistas que o explicam exclusivamente através da Paz de Versalhes ou da grande crise econômica de 1929. Assim, a primeira Ku Klux Klan, o movimento eugenista norte-americano, e várias versões biologizantes da história, seriam os sinais iniciais da aparição dos fascismos.

O autor dedica-se, de forma vigorosa, a explicitar o debate sobre os fascismos como uma "doença da sociedade liberal". Procura identificar o que é claramente europeu nos fascismos, oriundo da própria cultura européia e não exatamente um corte com esta cultura. Da mesma forma, Paxton é cuidadoso em não construir e, em verdade, negar a existência de uma linearidade entre uma forma qualquer de pensamento (Nietzche) ou uma especificidade histórica (como queria Daniel Goldhagen) e os fascismos. Paxton, com uma grande erudição, passeia por vários autores europeus e nos mostra como a apropriação de textos, temas e autores pelos ideólogos fascistas foi feita a posteriori, de forma parcial e na maioria das vezes inapropriadamente.

Para Paxton, o elemento central da analise dos fascismos seria entender como puderam chegar ao poder. Insiste, de forma correta, nas versões muito comuns na imprensa e entre publicistas desavisados sobre a chegada legal e democrática dos fascismos ao poder. Ao tratar da relação dos partidos e dos movimentos fascistas demonstra, com forte material estatístico, que os fascismos jamais conseguiram a simpatia da metade das populações da Alemanha ou Itália, além de impor guerras e ditaduras para chegar ao poder na Espanha, na Hungria ou na Eslováquia.

O segredo da vitória fascista residiria bem mais no apoio que recebeu das forças tradicionais das sociedades europeias, muito especialmente dos partidos e movimentos conservadores e, mesmo, de liberais. Para explicar tal paradoxo, Paxton busca um criativo conceito de "paixões mobilizadoras" como o clima político, social e mental que permite a ascensão dos fascismos. Para o autor, tais "paixões" implicam no sentimento geral de frustração e perda, no nacionalismo exacerbado e no sentimento de fazer parte de um grupo social vitima de uma injustiça.

Esses são pontos extremamente pertinentes para a discussão dos fascismos, mas também dos sentimentos de perda que embalam vastas camadas sociais na nova ordem mundial.



Por Francisco Carlos Teixeira da Silva
Jornal do Brasil, Caderno Idéias, 27 de outubro de 2007.


FONTE: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Resenha: A anatomia do Fascismo. Rio de janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, ano 2, n. 27, 2007.[ISSN 1981-3384]

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