Um
dos grandes paradoxos da
“pérfida Álbion” é o fato de ela ter sido um dos berços do movimento
operário mundial sem, ao mesmo tempo, ter produzido um Partido Comunista
poderoso e influente, como ocorreu em
países continentais da Europa – Alemanha, Itália, França, Espanha,
Portugal e
Grécia. No Reino Unido, o sistema eleitoral majoritário criou um
bipartidarismo
e a esquerda teve que se contentar em ficar na órbita do Partido
Trabalhista.
Em compensação, para deixar os franceses morrendo de inveja, os
britânicos são responsáveis pela maior e melhor plêiade de intelectuais
marxistas do século XX: Maurice Dobb,
E. P. Thompson, Christopher Hill, Raymond Williams e Perry Anderson,
entre
outros. O mais conhecido deles, o historiador Eric Hobsbawm, morreu hoje
aos 95
anos.
Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores do
século XX. Escreveu, entre outros livros, uma trilogia em que analisava o que
ele classificava de “o longo século XIX”: A
Era das Revoluções, sobre as revoluções européias de 1789 a 1848; A Era do Capital, enfocando o período da
estabilização pós-revolucionária até a depressão de 1875; e A Era dos Impérios, cobrindo o período
do desenvolvimento do imperialismo, entre 1875 e 1914. O “breve século XX” foi
analisado por Hobsbawm em seu livro mais famoso, A Era dos Extremos, período entre 1914 (Primeira Guerra
Mundial) e 1991 (Colapso da URSS).
O historiador também era um grande entusiasta e
crítico do jazz; escreveu um livro belíssimo chamado História social do jazz e publicava críticas e resenhas so livro seu que vale a pena registrar é Nações e
Nacionalismo desde 1780. obre esse
gênero musical. Outr
Algumas de suas definições:
“A impotência alcança tanto os que
acreditam em um capitalismo puro, sem intervenção do Estado, de mercado, uma
espécie de anarquismo burguês internacional, quanto os que acreditam num
socialismo planejado e sem contaminação pela busca de benefícios privados.
Ambos estão na bancarrota. O futuro, como o presente e o passado, pertencem às
economias mistas, onde público e privado convivem de uma maneira ou de outra.
Mas como? Este é o problema de todo mundo hoje, mas especialmente das pessoas
de esquerda.”
“A
queda das torres do World Trade Center foi certamente a mais abrangente
experiência de catástrofe que se tem na história, inclusive por ter sido
acompanhada em cada aparelho de televisão, nos dois hemisférios do planeta.
Nunca houve algo assim. Agora, elas representam uma guinada histórica? Não
tenho dúvida de que os EUA tratam o 11/9 dessa forma, como um turning point,
mas não vejo as coisas desse modo. A não ser pelo fato de que o ataque deu ao
governo americano a ocasião perfeita para o país demonstrar sua supremacia
militar ao mundo. E com sucesso bastante discutível, diga-se.”
“Nós
de fato caminhamos em direção à Era do Declínio Americano. As guerras dos
últimos dez anos demonstram como vem falhando a tentativa americana de
consolidar sua solitária hegemonia mundial. Isso porque o mundo hoje é
politicamente pluralista, e não monopolista. Ainda assim, não devemos
subestimar os EUA. Qualquer que venha a ser a configuração do mundo no futuro,
eles ainda se manterão como um grande país e não apenas porque são a terceira
população do planeta. Ainda vão desfrutar, por um bom tempo, da notável
acumulação científica que conseguiram fazer, além de todo o soft power global
representado por sua indústria cultural, seus filmes, sua música etc.”
"O ventre que gerou o monstro ainda é fecundo" |
“Minha convicção de ser de esquerda
continua. Me posiciono fortemente contra o imperialismo e contra as forças que
acham que fazem um bem a outros países ao invadi-los, e contra a tendência de
pessoas que, por serem brancas, são superiores. Essas certezas eu não abandono.
Mas algumas das minhas convicções mudaram. Não creio mais que o comunismo, como
foi aplicado, poderia dar certo. E não sou mais revolucionário. Porém, não
acho que tenha sido mau para mim e para minha geração termos sido
revolucionários. Cresci na Alemanha de Hitler, sempre odiarei totalitarismos.”
Abaixo, trechos de uma entrevista que Hobsbawm
concedeu à Folha em 2009:
O que mais deveria ser discutido no
aniversário de 20 anos da queda do Muro de Berlim?
A celebração é oportuna porque o capitalismo
agora chegou a seu limite. A crise econômica mundial é o fim de um ciclo, que
começou a ruir quando caiu o Muro em Berlim. No Leste
Europeu, vejo dificuldade em rompimento com o legado comunista. Mas é o
Ocidente quem deve refletir mais sobre o que ocorreu na Guerra Fria e o que
pode ser feito para evitar um novo colapso.
As “Eras” são consideradas um exemplo de boa análise histórica dedicada a um amplo período. O sr. acha que falta ambição a historiadores hoje?
Para fazer história com uma perspectiva maior, é preciso ser um intelectual maduro. Hoje, os jovens historiadores gastam muito mais tempo em suas especializações. Quando estão aptos a dar um passo maior, hesitam. A história equivocadamente se afastou da “história total” que fazia Fernand Braudel [1902-1985].
As “Eras” são consideradas um exemplo de boa análise histórica dedicada a um amplo período. O sr. acha que falta ambição a historiadores hoje?
Para fazer história com uma perspectiva maior, é preciso ser um intelectual maduro. Hoje, os jovens historiadores gastam muito mais tempo em suas especializações. Quando estão aptos a dar um passo maior, hesitam. A história equivocadamente se afastou da “história total” que fazia Fernand Braudel [1902-1985].
O sr. começa A Era dos Impérios contando uma história autobiográfica (a do encontro de seus pais no
Egito) e então propõe uma reflexão sobre história e memória. Quão diferente foi
escrever este volume, que se refere a passagens mais próximas do seu olhar no
tempo, do que os anteriores?
Neste
livro tive de trabalhar com o que chamo de “zona de penumbra”, onde se misturam
nossas lembranças e tradições familiares com o que aprendemos depois sobre
determinado período. Não é fácil, pois trata-se de um território de incertezas
e em que há um elemento afetivo. Por outro lado, trata-se de uma oportunidade
de estimular aquele que lê a pensar sobre como seu próprio passado está
relacionado com a história.
Vladimir Illicht Lênin, líder da Revolução Bolchevique de 1917 |
Em seu livro (Reappraisals), o
historiador britânico Tony Judt escreveu um ensaio sobre o senhor (Eric
Hobsbawm and the Romance of Communism).
Neste, mostra admiração por seu conhecimento, mas faz uma severa crítica: “para
fazer o bem no novo século, nós devemos começar dizendo a verdade sobre o
antigo. Hobsbawm se recusa a mirar o demônio na cara e chamá-lo pelo nome”.
Como o sr. responderia a seu colega?
A
crítica de Judt não se justifica. O que ele quer é que eu diga que estava
errado. Em A Era dos
Extremos, eu encaro o problema, o critico e condeno. Não tenho problemas em
dizer que a Revolução Russa causou dor e sofrimento à população russa. Porém, o
esforço revolucionário foi algo heroico. Uma tentativa de melhorar a sociedade
como não se viu mais na história. Me recuso a dizer que perdi a esperança.
O sr. havia dito, numa entrevista ao Independent, que
havia alguns clubes dos quais não iria ser sócio nunca, referindo-se aos
intelectuais ex-comunistas. Ainda pensa assim?
Não
vejo problema quando um intelectual, especialmente de países do Leste Europeu,
percebe que a democracia é melhor do que o sistema autoritário em que vivia. É
normal a mudança de posição quando surgem fatos novos. O ex-comunista que
condeno é aquele que antes militava em grupos de esquerda e que hoje tem uma
bandeira única, a de ser anticomunista apenas, esquecendo-se do resto das
ideias pelas quais lutava. Também me entristece ver intelectuais jovens, que
não passaram pela história dessas lutas, repetindo e tentando tirar benefício
desse mesmo tipo de propaganda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário